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O voo da mosca azul

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Em todos os estados, sem distinções entre capitais e interior, inicia-se a corrida de pré-candidatos, em busca de vagas nas chapas que estarão concorrendo em outubro. Casos não faltam em que essa disparada acaba resultando em distúrbios e desforço, mas as aspirações são tão incontroláveis quanto aos problemas que eles terão de enfrentar, se lhes forem generosos os números das urnas. Para a grande maioria, o que se tem diante é quase uma vocação suicida, estando nesse caso, principalmente, os que partem sem qualquer chance de vitória.    

Os sonhadores com a fama e a glória constituem a classe dos mordidos pela “mosca azul”, expressão que Machado de Assis introduziu, e nunca mais foi esquecida. Na imaginação do romancista, é a mosca azulada, com asas douradas que, picando, deixa a vítima deslumbrada, obnubilada, fora da realidade. Chegando uma eleição, ela parte em voo solo, como já ocorre agora. Está no ar para envenenar.  

Inevitável que seja reeditado o fenômeno, a se considerar a primeira informação que chega dos grandes partidos, onde o trabalho imediato é definir espaços e abrigo a milhares de pretendentes às casas legislativas. 

É onde os concorrentes serão submetidos ao crivo e ao filtro das convenções, por onde nem sempre passam os mais qualificados. Quando se trata da presidência da República, os postulantes, respeitadas as proporções, também prometem bom volume, ainda que distante do recorde de 1989, quando foram 22 os candidatos ao Planalto.  

Diante da crescente fartura de candidatos, fato que não cansa de se repetir, nunca faltou jurista ou legislador que recomendasse estudar competente instrumento para impor aos partidos maior rigor na elaboração das chapas; até porque, são elas peças de uma lista ditatorial, que se elabora sem que os eleitores conheçam suficientemente o perfil de cada um.    

O que, mais uma vez, haverá de explicar as muitas aventuras é a vocação para buscar o poder, sentimento que ultrapassa todos os obstáculos a serem superados, depois da eventual eleição. Antiquíssima essa aventura na crônica política brasileira, que tem sido, simultaneamente, o fato que tanto dividiu como uniu os homens; mas nunca para sempre, porque o nunca e o sempre são coisas que as conveniências eleitorais ignoram completamente. Isso já era parte da vida pública muito antes do Novo Mundo, como se lê na sabedoria taoísta, que define o poder como a profunda loucura da ambição, ainda que seja pesado o fardo que espreita o sonhador.   

Na corrida louca para tentar transformar em realidade sonhos e vaidades, o primeiro item sacrificado são os compromissos que devem ser celebrados em nome de quem confia o voto. As promessas logo caem no vazio. De forma tão escancarada, que, certa vez, sendo deputado federal, o professor Paulo Delgado sugeriu que, juntamente com o registro das candidaturas, a Justiça Eleitoral colhesse e documentasse as propostas do candidato. Seria não mera providência burocrática, mas instrumento legal para se cobrar fidelidade ao que se promete. A sugestão não avançou. Nem outra coisa se esperava, porque os partidos e seus agentes não admitiriam algo parecido com cinto de castidade.   

Pode ser que os percalços da democracia neste país  – quem sabe? – tenham contribuído para o aperfeiçoamento das relações entre os agentes políticos e seus representados, e neste ano a campanha se revele em melhor nível. Não custa acreditar.