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Ex-Petrobras analisa regime de cessão onerosa

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O Congresso Nacional deve votar ainda hoje o Projeto de Lei (PL 8939/17) que permite à Petrobras repassar a exploração de áreas do pré-sal concedidas sob o regime de Cessão Onerosa a petroleiras privadas por convite, ou seja, sem licitação, o que hoje é proibido por lei. No regime de cessão onerosa, a União só recebe royalties de 10% sob a produção. A taxação é muito inferior a do regime de partilha, onde se paga 15% de royalties e mais parte indefinida do óleo lucro.

De autoria do deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), o texto permite a transferência da titularidade de até 70% dos direitos da Petrobras a outra petroleira. Em 2010, com a Lei 12.276/10, a União vendeu diretamente á estatal  uma área na Bacia de Santos (SP) ao valor de R$ 74,8 bilhões, que foram repassados ao Estado na forma de ações. À época, a operação integrava um plano de capitalização da empresa.

Essa cessão para a Petrobras é limitada até se alcançar a extração de cinco bilhões de barris equivalentes de petróleo, mas estima-se um excedente de até 15 bilhões de barris. Para o negócio ser concretizado, será necessária autorização da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

O JORNAL DO BRASIL publica, na íntegra, a análise do engenheiro Paulo César Ribeiro Lima, ex-Petrobras e ex-consultor legislativo do Congresso Nacional. 

"A Lei nº 12.276/2010 autorizou a União a ceder onerosamente à Petrobrás o exercício das atividades de pesquisa e lavra de 5 bilhões de barris de petróleo em áreas localizadas no Pré-Sal. No regime de cessão onerosa, serão devidos royalties de 10%. No entanto, não haverá o pagamento da participação especial, nos termos do art. 50 da Lei nº 9.478/1997.

O Contrato de Cessão Onerosa, no valor de R$ 74,807 bilhões; a subscrição de ações do capital social da Petrobrás por parte da União, entes federais e entes privados; e a emissão e utilização de títulos da dívida pública mobiliária federal fizeram parte de um conjunto de ações para promover a capitalização da estatal. A União e entes federais tiveram uma participação líquida de R$ 80,026 bilhões na capitalização da Petrobrás. Já o setor privado participou com R$ 40,222 bilhões.

Com a capitalização, entraram no caixa da Petrobrás R$ 120,249 bilhões e foram pagos à União R$ 74,807 bilhões, o que representa uma entrada líquida no caixa de R$ 45,441 bilhões. O valor de R$ 74,807 bilhões corresponde a um valor médio de US$ 8,51 por barril, estimado em uma situação onde as produtividades esperadas para os poços eram menores, os custos totais de produção eram muito maiores, a taxa de câmbio era de apenas 1,7588 Reais por Dólar e, na data da assinatura do Contrato de Cessão Onerosa, a cotação do Brent era de US$ 75,03 por barril, muito próxima à atual. Mesmo assim, a Petrobrás se considera credora da União na Revisão do Contrato de Cessão Onerosa.

A cessão onerosa somente ocorreu por se tratar de uma operação entre a União e a Petrobrás, que é uma empresa fundamental para o desenvolvimento do País, que viabilizou a descoberta do próprio Pré-Sal, que precisava ser capitalizada e na qual a União tem o controle do capital votante e quase metade do capital social.

O Projeto de Lei – PL nº 8.939, de 2017, de autoria do Deputado José Carlos Aleluia, modifica a Lei nº 12.276/2010 e permite que a Petrobrás negocie e transfira a titularidade do Contrato de Cessão Onerosa, desde que seja preservada uma participação de, no mínimo, 30%. Essa proposição é uma afronta ao art. 4º da própria Lei nº 12.276/2010 e ao próprio Contrato de Cessão Onerosa, que, na sua Cláusula Trigésima, estabelece a intransferibilidade do Contrato.

Importa ressaltar que o os investimentos na área de exploração e produção, com destaque para as áreas da cessão onerosa, foram o principal motivo do endividamento da Petrobrás. No entanto, já entrou em operação, no dia 24 de abril de 2018, o primeiro sistema definitivo de produção em área da cessão onerosa, por meio da unidade estacionária de produção P-74. Para o segundo semestre de 2018, a Petrobrás prevê a entrada em operação dos FPSOs P-67, P-68, P-69, P-75 e P-76. Outras entrarão nos anos seguintes, pois já estão todas contratadas, à exceção da quinta unidade para Búzios.

De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia 2026, a produção sob o regime de cessão onerosa é o grande destaque, pois passa de zero, em 2017, a 1,7 milhão de barris de petróleo por dia – mmbpd ou para 1,3 mmbpd, sem considerar o volume excedente da cessão onerosa, em 2026.

Como grande parte das unidades de produção da cessão onerosa já estão contratadas e construídas, conclui-se que é desprovida de qualquer lógica a Petrobrás transferir a titularidade dessas áreas, como proposto pelo Projeto de Lei nº 8.939, de 2017. A cessão onerosa vai, sim, contribuir para geração imediata de caixa para a estatal.

Estima-se que o custo total de produção da Petrobrás nas áreas da cessão onerosa será de cerca de US$ 20 por barril. Como serão devidos apenas royalties de 10%, admitindo-se um valor de referência do barril produzido de US$ 70, o custo total de produção com participação governamental será de US$ 27 por barril.

Assim, cada barril produzido deverá gerar uma receita líquida de US$ 43, que multiplicado por 5 bilhões de barris totaliza uma receita total líquida de US$ 215 bilhões, sem atualização a valor presente. Utilizando-se uma taxa de câmbio de 3,7 Reais por Dólar, a receita líquida das áreas da cessão onerosa, já subtraídos todos os custos, será de R$ 795,5 bilhões. Utilizando-se uma taxa de desconto de 8,83%, igual à do Contrato de Cessão Onerosa, e um curva de produção com base nas estimativas do Plano Decenal de Expansão de Energia 2026, chega-se a um valor presente líquido de R$ 173,3 bilhões, valor muito maior que os R$ 74,807 bilhões pagos pela Petrobrás.

Com relação aos volumes recuperáveis excedentes ao Contrato de Cessão Onerosa, a ANP contratou estudos da certificadora independente Gaffney, Cline & Associates para estimar esses volumes, que variam entre 6 e 15 bilhões de barris de óleo equivalente. Considerando que são recursos já descobertos e comerciais, a oferta desses volumes demandará a contratação de inúmeras unidades de produção no curto prazo, que podem gerar importante retorno para a sociedade, desde que a participação governamental seja elevada.

Na produção dos 5 bilhões da cessão onerosa foi estimada uma receita líquida total de R$ 795 bilhões e um valor presente líquido de R$ 173,3 bilhões. No caso dos excedentes da cessão onerosa, com produção que pode chegar a 15 bilhões de barris, a receita líquida total e o valor presente líquido podem ser até três vezes maiores. Desse modo a receita líquida total pode atingir R$ 2,3 trilhões e o valor presente líquido dos excedentes da cessão onerosa pode chegar a cerca de R$ 500 bilhões.

Com relação ao Substitutivo ao PL nº 8.929, de 2017, de autoria do ex-ministro de Minas e Energia, Sr. Fernando Coelho Filho, conclui-se que ele agrava e muito a falta de compromisso com o interesse público, já presente na proposição original.

Esse Substitutivo estende o regime de cessão onerosa a outras empresas petrolíferas, o que reduz muito a participação governamental na renda petrolífera por não prever o pagamento de participação especial. Para os 5 bilhões de barris da cessão onerosa, o valor presente líquido foi estimado em R$ 173,3 bilhões; para cerca de 15 bilhões de barris de excedentes, o valor presente líquido pode chegar a cerca de R$ 500 bilhões.

Se houvesse o pagamento de participação especial a uma alíquota de 32% da receita líquida, a União, Estados e Municípios arrecadariam R$ 160 bilhões. Desse modo, a produção dos excedentes da cessão onerosa pode gerar, nesse regime, uma perda de arrecadação de R$ 80 bilhões para o Estado do Rio de Janeiro e seus Municípios, que são confrontantes com as áreas da cessão onerosa.

Outro grave dispositivo do Substitutivo diz respeito à alteração da Lei 13.303/2016 para que se elimine a exigência de que a Petrobrás, na condição de operadora em consórcios, realize suas contratações por meio de licitação pública. O Relator cita que o modelo adotado pela indústria petrolífera utiliza uma modalidade equiparada ao convite.

Nesse aspecto vale ressaltar os gravíssimos problemas decorrentes das contratações feitas pela Petrobrás sem licitação ou na modalidade convite, onde há grande poder discricionário dos administradores".