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127 anos acompanhando a economia brasileira

Concentração de renda é a herança maldita, desde o fim da Escravidão

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Na maior recessão da história brasileira – de 2014 a 2017 – quando o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 9,9% e a queda da renda per capital em dólar (o bolo de produção e renda da economia gerado a cada ano), atualizada pela taxa de câmbio, tomou tombo acumulado de 33%, o JORNAL DO BRASIL não pôde trazer para o papel o tamanho da crise. A crise, mediu o IBGE, chegou a deixar mais de 14 milhões de brasileiros sem emprego. Mesmo com a tênue recuperação do ano passado, com um PIB positivo em torno 1,1%, ainda há 26,4 milhões de pessoas com a capacidade de trabalho subutilizada. Em relação à força de trabalho, é um contingente de 23,8% dos brasileiros aptos ao trabalho. 

Para uma população na casa dos 208,5 milhões de habitantes - a 5ª do mundo (atrás da China e Índia, com 1.300 milhões cada, os 328 milhões dos EUA e os 266,4 milhões da Indonésia, sim a 4ª população do mundo e maior nação muçulmana) -, é um número assustador. Que mostra o enorme desafio para a retomada lenta da economia devolver esperança ao mercado de trabalho. Números divulgados esta semana pelo IBGE reforça a situação dramática do Estado do Rio de Janeiro. No período de 2014 a 2017, o maior aumento na taxa de desemprego entre os estados brasileiros foi de Santa Catarina (+170,2%). Mas, em números absolutos o número de desempregados saltou de 10 mil para 270 mil pessoas (e a retomada veio forte no segundo semestre de 2017). Agora vamos ao RJ: o desemprego saltou de 494 mil para 1,2 milhões de pessoas. Um aumento de 140%. 

O drama do desemprego, que insufla a onda de violência nos grandes centros, onde as atividades marginais atraem sobretudo os jovens, é o outro lado da moeda da grande chaga brasileira. O descaso com a educação nas últimas quatro décadas gerou imensa massa de mão de obra não qualificada para as exigências do mercado de trabalho. A agricultura está cada vez mais mecanizada. Nas indústrias, robôs e sistemas de tecnologia substituem os peões nas fábricas. E no mercado de serviços, que carrega nas costas 63% do PIB brasileiro, quem não sabe línguas ou é analfabeto em tecnologia da informação está condenado a empregos de baixa qualificação. A deficiência no ensino tem outra implicação: o baixo índice tecnológico da produção brasileira prejudica o país na guerra comercial da economia global e na integração das cadeias produtivas. 

Café e escravidão

É claro que o Brasil evolui muito nos últimos 50/60 anos. Ou ainda mais se tomarmos o  m do século 19, quando o JORNAL DO BRASIL surgiu no começo da República, defendendo os pilares da Monarquia que havia provocado enorme turbulência econômica e social com a tardia Abolição da Escravatura. O mundo estava entrando na era do empreendedorismo e o Brasil não ficou atrás. Trens e máquinas substituíam a mão de obra escrava. E o lançamento simultâneo de vários empreendimentos gerou uma febre de emissões de ações em Bolsa. Com 10% do capital subscrito, as ações eram negociadas no pregão. Rui Barbosa tentou pôr um freio na especulação e aumento o limite para 20%. Veio o grande lançamento da época: o da Leopoldina Railway, de John Lowndes, que enfrentou exigência de 30% de subscrição e encalhou. Foi o Encilhamento. A reação do governo Floriano Peixoto (militares perderam dinheiro nos papéis) foi drástica: criou a Lei das Travas que di cultou a disseminação do capitalismo no Brasil nas décadas seguintes. Só na Reforma do Mercado de Capitais, na metade dos anos 60, o dinamismo foi retomado.

Uma autópsia na História vai identificar que a gênese do capitalismo de compadrio, que viceja à sombra do Estado e que expôs suas vísceras em episódios recentes, acelerou exatamente na época em que o JORNAL DO BRASIL entrou no debate nacional. Mas a ganância e a irresponsabilidade continuaram a provocar vários estouros no mercado de capitais, como no boom da Bolsa nos anos 70. Ou mais recentemente na febre das ponto.com, importada dos Estados Unidos. No momento, há a tentação desenfreada e perigosa das Bitcoins... 

Outro corte na estrutura econômica brasileira revela uma dependência extrema ao café, que fez a riqueza das elites dos barões, mas manteve a maior parte da população sob o jugo da Escravidão. Sem acesso à terra – facilitado aos colonos italianos, espanhóis, alemães e depois aos japoneses, que vieram todos cós seus núcleos familiares – , e sem apoio posterior da educação, os negros permaneceram na escala mais pobre e miserável da população brasileira. Situação raríssima aos que tiveram acesso ao principal meio de produção da época: a terra.

Os planos contra a inflação

Até os anos 60, o ‘general café’ era responsá- vel por 70% da receita cambial do Brasil. Imagine-se o impacto social e econômico quando o crash da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, jogou o preço da saca de café na lona... Num país sem petróleo e uma indústria incipiente, as crises cambiais se sucediam. E a economia se equilibrava entre a crise cambial e os surtos inflacionários provocados pelo descontrole das contas públicas. Um cobertor curto. Hoje o café representa menos de 2% das receitas de exportações, que tiveram saldo de US$ 64 bilhões em 2017, frente às importações. 

O desequilíbrio do petróleo ficou também claro em 1973, quando houve o primeiro choque da OPEP. O Brasil só produzia 15% das necessidades. Com a produção do pré-sal representando mais de 50% do total, as perspectivas são finalmente de auto suficiência. Entre 1973 e 2018 foram várias as crises na balança comercial e no balanço de pagamentos. A crise eclodiu de forma aguda em setembro, depois que o México declarou moratória. Após a renegociação em Nova Iorque, às vésperas do Natal, o Brasil mergulhou em sete anos de crises, na chamada “década perdida”. 

Vários planos econômicos, uns mais mirabolantes que outros, tentaram tirar o país da crise. Sem sucesso. Até que veio o Plano Real, no governo Itamar Franco, com a transição de três meses da URV até a entrada em campo do real, em julho de 1994. Quase 24 anos de existência, a moeda resistiu a várias crises (a maior, antes do quinto aniversário, no governo FHC, quando o Brasil, quebrado, implorou ajuda do FMI). Neste século, com a demanda de mercadorias da insaciável China, as contas do país, que chegaram a ter déficit de US$ 4,4 bilhões em 2014, embicaram novamente na recessão. O desequilíbrio estrutural entre o valor dos produtos primários exportados pelo Brasil e os altos valores tecnológicos dos bens importados pode gerar novas crises cambiais. 

O cobertor continua curto, enquanto o país não tem um projeto estrutural. É sempre bom ficar atento. O JB está novamente ao seu lado.