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'WSJ': O grande desafio dos BCs do mundo é provar que são relevantes

Reportagem analisa a economia atual com intervenções do Fed e Bancos centrais

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Matéria publicada nesta sexta-feira (26) pelo jornal norte-americano The Wall Street Journal fala que as autoridades dos bancos centrais do mundo reunidas esta semana em Jackson Hole, no Estado americano de Wyoming, não passarão o simpósio debatendo uma crise urgente na economia global, mas sim a melhor forma de lidar com uma ameaça existencial à sua importância. A ameaça vem da percepção de que o lento crescimento econômico que tem prevalecido desde 2009 pode se perpetuar. Se isso acontecer, os juros baixos que predominam no mundo desenvolvido também permanecerão. Os bancos centrais fixam os juros para equilibrar os investimentos e as poupanças e, assim, manter as economias com pleno emprego e inflação estáveis. A taxa que consegue esse equilíbrio é chamada de juro natural. O fato de a inflação e o crescimento estarem agora tão baixos nas grandes economias, apesar de uma política monetária extremamente frouxa, revela que o juro natural caiu — entre 1 e 2,5 pontos percentuais desde 2007 nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e zona do euro, segundo estudo recente do Federal Reserve, o banco central americano. 

A reportagem do Journal conta que os formuladores de política do Fed estimam que a taxa natural dos EUA seja de 3% ao ano, comparado a 4,5% antes da recessão. Isso deixa 1,5 ponto percentual a menos de munição para conter o próximo choque econômico. Inicialmente, os bancos centrais acreditavam que a queda no juro natural era transitória, consequência das famílias, empresas e governos estarem tentando pagar suas dívidas ou se endividar menos. Com o tempo, tornou-se claro que mais forças profundamente arraigadas estavam em jogo: uma queda no crescimento da produtividade deprimiu o retorno obtido com — e a demanda por — novos equipamentos. Uma população mais velha necessita de menos shopping centers, escritórios e casas. A crescente desigualdade social direcionou mais renda para os ricos. A aversão mundial ao risco elevou a demanda por investimentos seguros, como títulos de dívida de governos. Para lidar com esse novo cenário de normalidade, os formuladores de políticas estão considerando três respostas possíveis, e todas elas apresentam desvantagens.

Aceitar o status quo: A desaceleração do crescimento pode não ser permanente. Ou a economia pode ter mudado de tal forma que as próximas recessões serão menos severas. Por exemplo, o setor imobiliário é hoje menos importante e a inflação está mais ancorada. E o Fed tem munição que vai além dos juros de curto prazo. Num estudo recente, David Reifschneider, economista do Fed, calcula que as ferramentas incomuns que o Fed usou nos últimos anos, como comprar títulos do governo imprimindo dinheiro novo ou manter os juros perto de zero, podem compensar a impossibilidade de os juros irem muito abaixo de zero. Ainda assim, isso está longe do ideal. Outra rodada de compra de títulos iria expandir a fatia da dívida do governo dos EUA negociada no mercado que está em poder do Fed, hoje 18%. Críticos acreditam que isso pode elevar a influência de considerações fiscais na política monetária. Mais preocupante ainda é que esses passos menos ortodoxos podem incentivar excessos especulativos, como até mesmo os defensores das políticas reconhecem. “Um cenário [...] de juros baixos que dura um longo período cria condições que podem trazer riscos à estabilidade financeira? [...] Creio que a resposta provavelmente seja sim”, disse em julho Dan Tarullo, diretor do Fed.

Corrigir o crescimento subjacente: O ex-secretário do Tesouro Larry Summers, agora na Universidade Harvard, tem sido o maior defensor da cura do crescimento lento diretamente com projetos de infraestrutura do governo financiados por dívida. Isso elevaria o investimento público e, ao reduzir os gargalos, incentivaria os investimentos privados também. O Fed não teria um papel direto aqui. Ele poderia, contudo, juntar-se ao Tesouro no compromisso de comprar títulos de dívida que financiariam obras de infraestrutura, uma forma de estímulo pouco testada chamada “dinheiro de helicóptero”. Mas a coordenação com políticos deixa as autoridades dos bancos centrais nervosas. Até simples financiamentos de déficits se tornaram impopulares entre governos cautelosos com dívidas. Para obter o máximo de efeito, todos os países teriam de expandir o déficit. Se só os EUA o fizerem, isso elevaria os juros e o dólar, aumentando as importações e diluindo os benefícios. E ajustes via política monetária são muito mais limitados se a desaceleração for causada por mudanças demográficas ou ausência de avanços tecnológicos. “A política monetária não está bem equipada para lidar com questões de longo prazo, como uma desaceleração no crescimento da produtividade”, disse o vice-presidente do Fed, Stanley Fischer, esta semana.

Mudar a meta: O Fed fixou uma meta de inflação de 2% ao ano para minimizar os ciclos inflacionários de crescimento e desaceleração vistos entre 1966 e 1982 e as ineficiências criadas pelas mudanças frequentes de preços. Ainda assim, há poucas evidências de que 3% ou 4% de inflação seria pior que 2%. Como uma média inflacionária maior se traduz em juros naturais maiores, uma meta mais alta proporcionaria mais espaço para afrouxamentos de política monetária sem o uso de ferramentas como compra de títulos. Economistas defenderam uma meta diferente no passado. Mas por ora o Fed permanece irredutível. Na semana passada, John Williams, presidente da regional do Fed de San Francisco e acadêmico respeitado, propôs que a ideia fosse debatida. Será que o simples anúncio de uma meta de inflação maior teria efeito, já que os BCs estão penando até para levar a inflação a 2%? Foi preciso uma compra massiva de títulos para o Japão elevar a inflação acima de zero, mas ainda longe dos 2%. Pode ser possível permitir que a economia superaqueça o suficiente para elevar a inflação, mas como notaram economistas do banco Goldman Sachs, pode ser necessária uma recessão para esfriá-la.

O WSJ afirma que para as autoridades dos bancos centrais, todas as escolhas são complicadas. Mas, observou Williams, pelo menos elas sabem o que vem pela frente: “Nós podemos esperar pela próxima tempestade e torcer por um desfecho melhor, ou podemos nos preparar para as duas coisas agora e estar a postos.”