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'WSJ': O ex-político que brigou com Warren Buffett e mudou a trajetória da Berkshire

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Matéria publicada nesta sexta-feira (29) pelo The Wall Street Journal, conta que poucos acionistas da Berkshire Hathaway Inc., a holding do famoso investidor Warren Buffett, a caminha da sede da empresa, em Omaha, já ouviram falar do ex-político Samuel Katz. Mas muitos deles não estariam fazendo essa viagem se não fosse pela briga que Katz teve com Buffett 20 anos atrás. Naquela época, só um grupo relativamente exclusivo possuía ações da Berkshire, que eram negociadas a US$ 33 mil cada. Em 1996, Buffett lançou uma nova classe B de ações. Elas tinham direitos de voto limitados, mas custavam apenas 1/30 do preço das outras ações, o que tornava o papel acessível a investidores comuns.

A polêmica decisão de Buffett não aconteceu por acaso. O catalisador foi Katz e pessoas como ele, que estavam formando veículos de investimento semelhantes a fundos mútuos e dedicados a investidores que não tinham dinheiro para comprar ações da Berkshire diretamente.

Segundo a reportagem, o diretor-presidente da Berkshire há muito defendia o alto preço das ações do conglomerado como um incentivo aos investidores para reter o papel por um longo prazo e uma defesa contra negócios especulativos. Mas ele também não gostava da ideia de que outros lucrassem à custa da Berkshire e, então, decidiu emitir ações mais baratas como uma alternativa.

As ações de classe B tiveram um sucesso retumbante, ampliando a popularidade da Berkshire e ajudando a cimentar o legado quase legendário de Buffett. As ações, que em 2010 foram submetidas a um desdobramento de 1 para 50, são atualmente negociadas em torno de US$ 147. As ações originais, que nunca foram desdobradas, são cotadas a quase 1.500 vezes esse valor, a cerca de US$ 220 mil cada.

O número de pessoas que compareceram à assembleia anual da Berkshire em Omaha, no Estado americano de Nebraska, saltou de 5 mil em 1996 para 25 mil menos de dez anos depois. Em 2015, esse número atingiu mais de 40 mil pessoas.

Katz, que já foi político em Filadélfia, no Estado da Pensilvânia, e descreve a si próprio como um empreendedor cívico, nunca comprou uma ação de classe B, mas até hoje se regozija do papel que desempenhou na trajetória da Berkshire.

“Considero um medalha de honra”, diz ele sobre essa longa desavença com Buffett e Charlie Munger, o braço direito de longa data do investidor. “Entrei nisso com Warren Buffett e Charlie Munger e eles estão conscientes” de que eu existo.

Buffett diz ter ficado satisfeito com o desfecho do caso. “Quase toda vez que alguma coisa negativa aconteceu — exceto problemas médicos meus ou de pessoas próximas —, em retrospectiva o problema foi um ponto positivo na minha vida, geralmente por uma margem muito significativa”, disse ele quarta-feira, num e-mail.

Munger não respondeu a solicitações de comentário.

Katz passou sua carreira nas finanças e na política, incluindo uma campanha malsucedida para governador da Pensilvânia, em 1994, e três tentativas fracassadas de se eleger prefeito de Filadélfia. Em meados dos anos 90, com o mais velho dos seus quatro filhos já na universidade, ele pegou a maior parte do dinheiro que havia economizado para pagar os estudos dos filhos e comprou ações da Berkshire, a US$ 19 mil cada.

Depois de discutir com outro investidor da empresa maneiras de torná-la mais acessível a pequenos investidores, Katz teve a ideia de criar um veículo de investimento. O plano era amealhar dinheiro de pequenos investidores e usar os fundos para comprar ações da Berkshire.

Katz escreveu a Buffett o que chama de uma carta “lisonjeira e típica de um fã”, explicando seus planos. Mas o Oráculo de Omaha, como Buffett é chamado, não achou engraçado, e despachou emissários, inclusive Munger, para alertar Katz de que a Berkshire poderia minar a iniciativa desdobrando as ações ou criando uma nova classe de ações, recorda Katz.

Pressionado, Katz decidiu mudar o nome de sua empresa e cortou a comissão que estava planejando cobrar. Mas seguiu em frente no plano, na esperança de levantar até US$ 250 milhões e achando que Buffett estava blefando.

“Eu me lembro de ter pensado: ‘Isso é tão importante para você?’”, diz ele.

E era. Em sua carta anual aos acionistas de 1966, Buffett disse que esses fundos iam contra os interesses de longo prazo dos acionistas porque a demanda por ações provavelmente causaria uma bolha especulativa nas ações da Berkshire.

Naquele ano, Buffett anunciou planos de criar uma nova classe B de ações. (As ações originais ficaram conhecidas como classe A.) Em maio de 1996, a Berkshire emitiu 517.500 ações de classe B, arrecadando um valor líquido de US$ 565 milhões. Katz acabou desistindo de sua ideia.

“Como alguém que passou algum tempo na indústria de valores mobiliários, foi a maior transação em que já estive envolvido sem receber nenhum pagamento”, diz Katz.

Buffett acabou reconhecendo — ainda que não aprovando — o papel decisivo que Katz teve. “Na verdade, a [classe] B funcionou bem para todo mundo, então, de uma maneira estranha, nós talvez tenhamos uma dívida para com o sr. Katz — embora não por meio de nenhuma boa intenção da parte dele”, escreveu Buffett em 1997 a outro acionista da Berkshire que havia enviado ao investidor artigos de imprensa sobre a briga com Katz.

Katz não demorou muito para abandonar o mundo das finanças. Aos 66 anos, ele hoje é documentarista. Entre seus projetos está uma série de 14 episódios sobre a história de Filadélfia, atualmente sendo transmitida por uma afiliada local da rede ABC.

Katz vendeu suas ações de classe A da Berkshire quando chegou a hora de pagar a universidade dos filhos. Ele pensou várias vezes em comprar ações da classe B, mas “toda vez me lembrava dos acontecimentos do passado e achava melhor desistir”, diz ele.