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Crise global gera capitalismo mais violento com trabalhadores e soberania

Esgotamento é visível na economia, no meio ambiente e na questão social

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O capitalismo está em crise, e os resultados são visíveis não só no desempenho econômico dos países como nos aspectos social e ambiental, alertam professores universitários consultados pelo JB. Estaria se desenhado ainda, em resposta à crise, um movimento mais violento à qualidade de vida dos trabalhadores e à soberania dos países. Soluções podem e devem ser buscadas por cada país, mas resultados teriam limites, já que a economia se expressa em escala mundial. A saída deveria se colocar em uma esfera global, mas também se revela em iniciativas como as do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MSTS), exemplificou um professor.

Os países da OCDE, organização que reúne as nações mais industrializados do mundo e alguns emergentes como México e Chile, tiveram uma desaceleração no crescimento pelo segundo trimestre consecutivo nos três primeiros meses deste ano. O crescimento do PIB foi de 1,9% em 2014, depois de 1,4% em 2013. Por outro lado, países que seguem caminhos um tanto diferentes dessas nações registram e projetam resultados mais satisfatórios. O PIB de Cuba crescerá cerca de 4% no primeiro semestre deste ano, segundo estimativas do governo divulgadas pela imprensa oficial no mês passado. O PIB do Vietnã cresceu 5,98% em 2014, depois do crescimento de 5,42% no ano anterior.

Ao mesmo tempo, a economia dos Estados Unidos se contraiu a um ritmo anual de 0,2% no primeiro trimestre. A da Alemanha cresceu apenas 0,3% em relação ao período anterior. O Departamento Federal de Estatísticas (Destatis) alemão atribuiu a queda à instabilidade da conjuntura global, prejudicada sobretudo pelo enfraquecimento do comércio com países emergentes como Brasil e Rússia -- que tiveram recuos de 1,6% e 2,2% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano anterior. 

Para além do PIB, o desempenho do Vietnã na última prova PISA – Programa para a Avaliação Internacional de Alunos –, organizada pela OCDE, foi excelente. Jovens vietnamitas de 15 anos tiveram pontuações mais altas em leitura, Matemática e Ciências do que muitos estudantes de países desenvolvidos, como Estados Unidos e Reino Unido. Na América Latina e Caribe, Cuba foi o único país a alcançar todos os objetivos de educação, de acordo com Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos 2015, da Unesco.

Maria Beatriz David, professora da Uerj e coordenadora executiva do Centro de Estudos de Estratégias de Desenvolvimento da universidade, destaca que o Vietnã é um exemplo de crescimento com sucesso e igualdade, ao contrário da China que cresce com desigualdade. Ela ressalta a estratégia asiática de ser competitivo primeiro via preço, para depois ir melhorando a qualidade do produto, além dos recursos recebidos pelo Vietnã em termos de assistência, que o país soube aproveitar bem.

Na África, indica a professora, vários países, com diferentes regimes, também tem registrado altas taxas de crescimento.  Por outro lado, na Escandinávia, Suécia e Finlândia também crescem a taxas significativas. "A crise não atinge a todos igualmente, há países que já se recuperam mais rapidamente. (...) O mundo não é unificado, o que aconteceu foi que a crise de 2008 impactou todo mundo, porque você tem o setor de produção e financeiro cada vez mais interligados."

A professora concorda, contudo, que o modelo capitalista precisa de uma reforma, lembrando que instituições como o Banco Mundial, o FMI e a ONU foram criados após a Segunda Guerra, quando o mundo era menor. Porém, defende Maria Beatriz, não há "saída fácil nem única".

Plínio Arruda, professor do Instituto de Economia da Unicamp, completa que o que explica o desempenho econômico do Vietnã é sua posição no mercado asiático, inserção especializada em alguns produtos e mão de obra barata. No caso de Cuba, o que se desenha no país é a possibilidade de participar de uma maneira relativamente qualificada da cadeia de valor americana, com sua mão de obra altamente qualificada e relativamente barata. 

Alvaro Bianchi, professor do Departamento de Ciência Política da Unicamp, entretanto, esclarece que os chamados países socialistas estão sempre subordinados à economia mundial, que é capitalista. De qualquer forma, estão integrados a um sistema de trocas mundial que cria barreiras ao desempenho de suas economias. Sobre o crescimento do Vietnã, ele aponta que dentro deste modelo sempre há países crescendo mais rápido do que outros, como o ritmo acelerado da economia brasileira em outros anos, mas o crescimento não se coloca como duradouro, a tendência crescente é de crise.

"O que nós temos é uma crise global. Nós estamos falando agora em resultados econômicos, mas há limites naturais à própria existência desse modelo de produção, há uma destruição crescente dos recursos naturais do planeta, um esgotamento. Estamos já perante uma crise ambiental, que tende a se aprofundar nos próximos anos, e também não tem saída no interior da própria economia capitalista", explica Bianchi.

Em 1999, Ellen Meiksins Wood, então professora de ciência política da Universidade York, em Toronto, já levantava em seu livro "A Origem do Capitalismo" (no título em português) que, apesar de muitas pessoas acharem que o capitalismo é a condição natural da humanidade, principalmente com o colapso do comunismo no final da década de 1980, "há muitas razões para se questionar o triunfalismo capitalista", que sempre sai de suas crises lançando bases para crises novas e piores. "A esperança de atingir um capitalismo humano, verdadeiramente democrático e ecologicamente sustentável vai se tornando transparentemente irrealista", atestava na publicação.

Transformações dentro do capitalismo

Plinio de Arruda Sampaio Junior, professor do Instituto de Economia da Unicamp, destaca que há, sim, uma crise muito grande do capitalismo, que está praticamente há oito anos estagnado. "O que é a crise do capitalismo? Há um terço do capital que ele não consegue valorizar. É essa a situação geral do capitalismo."

Entender a conjuntura, ele explica, é entender as transformações em gestação no interior do capitalismo, que ele chama de "solução americana para a crise do capitalismo", cuja essência é aumentar a dose de liberalismo. "A crise do capitalismo liberal global os americanos respondem com aprofundamento do processo de liberalização."

Por trás desse processo, há mudanças profundas na gestão das forças produtivas, que os norte-americanos chamam de revolução algorítmica, que, em última instância, é "um salto na capacidade do capital instrumentalizar a informação computadorizada, para aumentar a produtividade do trabalho". O capitalismo, ele explica, está que aumentando a capacidade de decodificar o processo de trabalho, de criar novas rotinas, e de reorganizar o processo produtivo em escala mundial.

"Isso coloca na agenda do capital a necessidade de maior integração do sistema produtivo mundial. Os Estados Unidos, no fundo, pilotam essa nova integração, em função dos interesses estratégicos das grandes empresas americanas, das grandes empresas de maneira geral, e dos interesses do estado americano, que é processo que eles chamam de integração profunda, faz parte desse processo o acordo de livre comércio, Estados Unidos-Ásia, Estados Unidos-Europa. É este o movimento maior que está determinando a reorganização do sistema capitalista como um todo e a redefinição da ordem econômica mundial", aponta.

De acordo com Sampaio Junior, o movimento busca uma maior especialização da economia mundial, uma maior especialização entre economias industrializadas e não industrializadas, o que implica em mudanças importantes na divisão internacional do trabalho, que deve girar em torno de três grandes fábricas - fábrica Estados Unidos, China e Europa, que gira em torno da Alemanha. E cada uma dessas grandes áreas vai se organizar em torno de cadeias de valor, vai ter o centro e periferia interna. No caso da Alemanha, a periferia, por exemplo, é a Grécia.

>> Projeto de terceirização gera 'escravos modernos', analisa Antunes

Como resultado, aponta o professor, teremos primeiro uma ofensiva forte do capital contra o trabalho, cuja essência é rebaixar o nível tradicional de vida dos trabalhadores, o que acontece na Europa, nos Estados Unidos e começa agora a acontecer na América Latina, com os programas de ajuste que estão sendo feitos praticamente em todos os países latino americanos. O segundo processo, continua, seria uma ofensiva contra a soberania dos estados nacionais, porque os espaços transnacionais de organização da produção exigem uma legislação mais liberal, que atenda exigências de grandes grupos que querem garantias jurídicas, liberdade de movimentos de capital, entre outras facilidades.

"Este é o capitalismo que está se desenhando, um capitalismo muito mais violento contra o trabalho, contra o estado nacional, com capacidade muito menor de resistência a colocar parâmetros à ação do capital", acredita Sampaio Junior.

Para ele, trata-se de um capitalismo muito difícil de ser repensado e reformado, sem alternativas dentro do próprio capitalismo. "Este capitalismo só tem uma alternativa, que é a superação do próprio capitalismo."

"Não vejo alternativas nos governos, vejo elas nascendo nos movimentos"

Alvaro Bianchi, professor do Departamento de Ciência Política da Unicamp, acredita que o capitalismo, sem dúvida, precisa ser repensado, porque os resultados obtidos são insatisfatórios, com uma sucessão de crises nas últimas décadas, algumas muito profundas, com períodos de recuperação cada vez menores. "Isto ficou bastante claro nas crises dos anos 1990 e teve forte intensidade na crise que veio de 2007 em diante. Os próprios Estados Unidos, que são a economia mais poderosa no mundo, têm enorme dificuldade para se recompor. O modelo vai mostrando seu esgotamento."

Para Bianchi, não se trata de um modelo que possa ser reformado, pois o problema é justamente a modalidade de organização da economia, na qual a produção é social mas a apropriação é individual, o resultado fica com poucos. "Isso tende a produzir crises periodicamente, por um lado desigualdades crescentes, centralização de capital nas grande corporações. E é necessário pensar não só nos aspectos econômicos, mas também sociais e ambientais, o que permite enxergar melhor o que está realmente acontecendo." 

Países de regime dito socialista têm formas de propriedade diferenciadas, o que lhes permite operar de modo relativamente diferente em várias circunstâncias, explica Bianchi. Ao longo século 20, exemplifica, houve um longo período de crescimento da economia soviética, mas que no fim das contas acabou revelando limites, pois se dava no interior de uma economia mundial capitalista que não conseguia romper com as leis do capital. "A dinâmica da economia capitalista no mercado mundial foi criando barreiras tecnológicas, comerciais e ao próprio desenvolvimentos dessas economias." 

As alternativas, então, têm que se afirmar em escala mundial. "Os países podem e devem tratar dos males de suas economias conjunturalmente, mas é preciso ter em mente que enquanto esses sistema continuarem operando, essa forma tem limites. Na medida que temos uma economia que se expressa em escala mundial, a escapatória dentro dela é limitada e tende a ser em curto e médio prazo."

Segundo Bianchi, as esperanças que estão fora deste horizonte capitalista são aquelas que apontam um caminho de fuga, como movimentos políticos e sociais, que pensam em uma saída que transgrida o próprio sistema e a economia capitalista, como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MSTS), que questiona a especulação imobiliária na cidade, e as reivindicações dos sindicatos em defesa do emprego e dos salários.

"[Os movimentos sociais e dos trabalhadores] são expressões de insatisfação com o modelo que ao mesmo tempo apontam caminhos, deixam claro que não são que os trabalhadores quem devem arcar com os custos de uma ordem econômica que claramente os desfavorece. Não vejo alternativas no âmbito dos governos, vejo nascendo no âmbito dos movimentos", diz Bianchi.