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'Project Syndicate': A austeridade como única causa de ruptura

Varoufakis, ministro das Finanças da Grécia, também critica cobertura que mídia faz das negociações

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O Project Syndicate publicou nesta segunda-feira (25/05) um artigo de Yanis Varoufakis, o ministro das Finanças da Grécia, em que faz duras críticas à pressão para que seu país adote uma política de austeridade. 

“Um mesmo erro de raciocínio se espalha nas mídias do mundo inteiro a respeito das negociações entre o governo grego e seus credores. Este erro, que encontramos em um comentário recente de Philip Stephens do Financial Times, consiste em dizer que “Atenas não pode ou não quer (ou então não pode e nem quer) colocar em prática um programa de reforma econômica”. Uma vez que este erro é apresentado como fato, é totalmente normal que os jornais insistam na maneira na qual nosso governo, segundo os termos de Stephens, “desperdiça a confiança e a boa vontade de seus parceiros da zona do euro”.

Mas a realidade das negociações é muito diferente. Nosso governo pretende colocar em prática um programa incluindo todas as reformas econômicas apresentadas pelos grupos de pesquisas econômicas europeus. Além disso, nós somos os únicos capazes de manter o apoio da opinião pública grega a favor de um programa econômico sólido.

Eis o que isso quer dizer: uma agência fiscal independente, excedentes orçamentários primários razoáveis para sempre, um programa de privatização sensato e ambicioso, combinado com uma agência de desenvolvimento que explora as riquezas nacionais para criar fluxos de investimentos, uma verdadeira reforma das aposentadorias que garante a durabilidade à longo prazo do sistema de seguridade social, a liberalização dos mercados das mercadorias e dos serviços, etc.

Se então nosso governo está pronto para abraçar as reformas que nossos parceiros esperam, por que as negociações não chegaram a um acordo? Qual é o obstáculo?

O problema é simples: os credores da Grécia insistem numa austeridade ainda mais forte para este ano e além: uma abordagem que vai impedir a retomada, bloquear o crescimento, agravar o ciclo de dívida-deflacionista e vai finalmente corroer a vontade e a capacidade dos gregos de compreender os desafios da agenda de reformas que seu país precisa desesperadamente. Nosso governo não pode e não quer aceitar um remédio que há cinco longos anos se revelou pior do que o mal.

A insistência de nossos credores em uma austeridade maior é sutil mas ferme. Cela é perceptível em sua exigência para que a Grécia mantenha excedentes primários não duráveis em alto nível (mais de 2% do PIB em 2016 e superior a 2,5%, até mesmo a 3%, para cada ano seguinte). Para conseguir, nós temos que aumentar o fardo global da taxa sobre o valor agregado sobre o setor privado, reduzir as aposentadorias já diminuídas no conjunto dos setores e compensar as fracas receitas da privatização (em razão de preços desvalorizados dos ativos) por medidas fiscais de consolidação “equivalentes”.

O ponto de vista segundo o qual a Grécia não teria conseguido chegar a uma consolidação orçamentária suficiente é não só falso, mas explicitamente absurdo. O esquema abaixo ilustra não apenas isso, mas responde sucintamente outra pergunta: por que a Grécia não foi tão bem por exemplo quanto Espanha, Portugal, Irlanda, ou Chipre ao longo dos anos desde a crise financeira de 2008? Em relação aos demais países da periferia da zona do euro, a Grécia foi submetida a pelo menos duas vezes mais austeridade. Não é mais complicado que isso.

Depois da recente vitória eleitoral do Primeiro ministro do Reino-Unido David Cameron, meu velho amigo Lord Norman Lamont, antigo ministro britânico das Finanças, notou que o restabelecimento da economia britânica sustenta a posição do nosso governo. Ele se lembrou que em 2010, a Grécia e o Reino-Unido enfrentavam déficits fiscais de tamanhos mais ou menos parecidos (em relação ao PIB). A Grécia voltou aos excedentes primários (que excluem o pagamento dos juros) em 2014, enquanto que o governo britânico se consolidou muito mais gradualmente e deve ainda voltar ao excedente.

No mesmo momento, a Grécia enfrenta uma contração monetária (que recentemente se tornou uma asfixia monetária), contrariamente ao Reino Unido onde a Banco da Inglaterra apoiou o governo a cada instante. O resultado é que a Grécia continuou a se estagnar, enquanto que o Reino-Unido teve um forte crescimento.

Os observadores imparciais desses quatro meses de longas negociações entre a Grécia e seus credores não podem evitar uma conclusão simples: o principal obstáculo, o único elemento proibitivo, é a insistência dos credores em termos ainda mais austeridade, mesmo em detrimento da agenda de reformas que nosso governo está impaciente para seguir.

É evidente que a demanda por mais austeridade por parte de nossos credores não tem nada a ver com preocupações com uma real reforma, nem com a vontade de colocar a Grécia em uma trajetória orçamentária viável. Sua verdadeira motivação é uma questão que é melhor deixar para os historiadores do futuro. Eles saberão sem dúvida alguma se manterem céticos quanto à cobertura midiática atual desses fatos”.