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Especialistas destacam pontos positivos e negativos do acordo entre Brasil e China

Dinheiro chinês pode resgatar país da crise, mas por outro lado criar dependência brasileira

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O acordo bilionário assinado entre os chefes máximos dos governos brasileiro e chinês nesta terça-feira (20) cria uma expectativa para que o país saia da crise econômica com a injeção de US$ 53 bilhões em investimentos. Por outro lado, é evidente o interesse chinês em importar commodities, o que pode fazer o Brasil ficar dependente e vulnerável às variações de preço deste tipo de produto, que não passa pelos mesmos períodos de altas históricas como na década passada. A pedidos do Jornal do Brasil, três professores universitários, sendo dois do curso de Economia e um de Relações Internacionais, fizeram uma breve análise de alguns pontos importantes a serem considerados no trato Brasil-China.

Para o professor de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Rogério Naques Faleiros, "o efeito positivo (do acordo) se manifesta na medida em que esses investimentos possam criar um efeito multiplicador na economia, tapando 'gargalos' na cadeia de produção". Dante Mendes Aldrighi, professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP) completa dizendo que esses 'gargalos' se dão principalmente na área de infraestrutura. "O acordo com a China parece ser uma tábua de salvação para o governo brasileiro, que precisa neste momento de recursos para investir principalmente na área de infraestrutura. Entretanto, os chineses são negociadores 'duros', e sabem claramente o que querem do Brasil, que vê os asiáticos como uma solução a curto prazo". 

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Com aproximadamente um sétimo da população mundial, a demanda por bens agrícolas e outras commodities do país asiático segue em aumento constante, dado que a China acompanha movimento global de aumento da população urbana em detrimento da rural. Alinhada ao investimento, há a construção de uma ferrovia que irá unir os oceanos Atlântico e Pacífico, do Rio de Janeiro ao Peru, evidenciando o interesse do país pela produção brasileira. A criação da ferrovia será uma alternativa, junto com o canal da Nicarágua, também sob responsabilidade de empresas chinesas, ao canal do Panamá, que tem forte influência dos Estados Unidos. 

Questionado sobre possíveis "amarras" que o Brasil pode acabar criando com a China, o professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marcos Cordeiro Pires, ressalta: "Um país que necessita de outros para se desenvolver cria uma relação de dependência. E no caso do Brasil, isto não é novidade". Rogério Faleiros vai mais além, e diz que o país "pode ficar muito vulnerável a qualquer oscilação nos preços de commodities, como a soja ou o minério de ferro. Além disso, esse tipo de produto de exportação passa por cenário diferente da década anterior, onde seus preços atingiram altas históricas". 

Os professores destacam ainda outros problemas como a "institucionalidade" do país, que acaba fazendo com que muitos projetos não saiam do papel. Dante Mendes Aldrighi diz que a mão-de-obra cara, além de altos impostos e encargos dificultam um desenvolvimento de uma indústria especializada como a de transformação, que engloba o setor automobilístico. 

Ele lembra ainda que "no caso da Argentina, os acordos de investimento exigem como contrapartida o suprimento de bens e produtos chineses para o país. Já na África, houve a importação inclusive de mão-de-obra chinesa para trabalhar nos projetos que estavam sendo financiados lá. Não que isto obrigatoriamente vá ocorrer no Brasil, mas existe o risco".

Desenvolvimento de indústrias de ponta e de bens de consumo "pode ficar de lado"

Questionado sobre uma possível mudança de foco nos investimentos do país para atender a demanda chinesa por commodities que poderia prejudicar o desenvolvimento de outros tipos de indústrias como as chamadas de "ponta" e de "bens de consumo", Rogério Naques Faleiros disse que "indústrias de transformação, como as do setor de automóveis, podem acabar ficando de lado". 

Aldrighi enxerga o cenário atual como "preocupante" para a indústria de transformação, que sofre grave crise e passa por demissões e paralisações. Ele destaca que o Brasil deve adotar uma postura defensiva porque está competindo com países mais desenvolvidos no setor, entretanto, acredita que os investimentos da China não seriam a causa de um processo de desindustrialização.

Marcos Pires enfatiza que o acordo não teria como "piorar o que já é ruim". Ele diz que indústrias brasileiras nesses setores já não são competitivas. "Não temos capacidade de concorrer com outros países no que diz respeito à tecnologia da informação ou eletroeletrônicos. A debilidade nesses setores já está evidenciada por uma falta de infraestrutura".

A falta de infraestrutura, no entanto, não é exclusividade do Brasil, e estende-se para toda a América Latina, onde a China tem aumentado e diversificado seus investimentos. 

E a Doutrina Monroe, como fica?

A influência norte-americana sobre os latinos também foi abordada na entrevista com os professores. Faleiros acredita que "os Estados Unidos podem ver (os investimentos chineses na América do Sul) como uma ameaça, porque um dos objetivos dos asiáticos é desvincular as exportações do canal do Panamá, que é de dominância norte-americana e a China também está adotando esta estratégia em outras regiões do mundo, como a África e o Leste Europeu.

Dante Mendes Aldrighi considera que a expansão chinesa já é uma realidade constatada pelos EUA. "Sobretudo porque países como Venezuela e Argentina passam por sérios problemas econômicos e têm acordos com a China. É difícil mensurar o quanto uma outra rota (ferrovia) pode afetar esta influência, mas sua construção está agravando este processo".

Por fim, Marcos Cordeiro Pires, da Unesp, diz que há correntes políticas nos Estados Unidos que enfrentam essa relação de duas maneiras. "Alguns veem como uma ameaça estratégica, e outros analisam como uma relação exclusivamente comercial. Já do ponto de vista brasileiro, acordos com um outro país que forma o BRICS se mostram importantes para criar uma "institucionalidade paralela" a órgãos controlados pelos EUA e seus aliados, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

*Do programa de estágio do JB