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‘Project Syndicate’: Por que a economia da Rússia não entrará em colapso

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“A rápida depreciação do rublo, apesar de uma dramática – e aparentemente desesperada – elevação da taxa de juros à noite efetuada pelo Banco Central da Rússia (BCR) no mês passado, trouxe de volta o fantasma do colapso econômico da Rússia em 1998. De fato, o ocidente tem procurado animar esse espectro através de seu atual confronto com o presidente russo Vladimir Putin. Mas, apesar da economia russa estar sem dúvida em apuros, um colapso completo não deve acontecer”. É o que afirma o economista Charles Wyplosz em um artigo publicado nesta terça-feira (27/01) na Project Syndicate.

“O petróleo e o gás representam mais do que 60% das exportações da Rússia; outras commodities primárias constituem grande parte do restante. Assim sendo, a recente queda acentuada nos preços mundiais do petróleo representa obviamente um choque substancial – grande o suficiente, quando combinado com o efeito das sanções do oeste cada vez mais rígidas – para provocar uma importante recessão. Para piorar as coisas, espera-se que os preços das commodities permaneçam baixos por algum tempo. Nesse caso, a perda de renda se tornaria muito mais do que um revés temporário”, prossegue Wyplosz, que é professor de Economia Internacional no Graduate Institute, em Genebra, onde dirige o Centro Internacional de Estudos Bancários e Monetários. 

“Mas a Rússia não é um país à espera de um colapso econômico  – pelo menos não por enquanto. A situação hoje é muito diferente daquela em 1998, quando a Rússia lidava com uma situação de déficits gêmeos, fiscal e de conta corrente. O país precisava de empréstimos, e estava pegando emprestadas grandes somas em moedas estrangeiras. Isso significava que na medida em que o rublo se depreciava, a dívida da Rússia subia. No final, o default se tornou inevitável.

Em contrapartida, nos últimos anos, a Rússia experimentou um considerável superávit do orçamento, e a dívida pública está abaixo de 20% do PIB. É verdade que a renda do petróleo e do gás, que representa o grosso dos rendimentos do governo, caiu pela metade quando medida em dólares. Mas a moeda russa caiu em mais ou menos a mesma porcentagem, o que significa que a renda do governo em rublos permanece praticamente inalterada”, escreve o economista.

Wyplosz nota que, de forma semelhante, o saldo da conta corrente da Rússia esteve na maior parte do tempo em superávit nos últimos anos. A dívida externa bruta pública e privada está abaixo de 40% do PIB, e grande parte dela é denominada em rublos. A forte queda nas receitas de exportação está mudando rapidamente a situação, mas a Rússia está começando a partir de uma posição confortável. Entrar em pânico seria prematuro.

“A queda livre do rublo tem sido levada principalmente por fugas de capitais. Famosos oligarcas da Rússia já guardaram a maior parte de suas fortunas no exterior, mas eles retêm poupanças significantes em casa. Na medida em que a situação econômica e política se deterioraram, a tendência é que eles retirem ainda mais dinheiro. Pequenos poupadores têm todas as razões para mudar para moeda estrangeira também.

Isso colocou o BCR em uma posição difícil. A desvalorização do rublo deverá alimentar a inflação, que já está em torno de 11% e bem acima da meta do BCR, de 5%. Nesse contexto, aumentar subitamente a taxa de juros faz sentido, e autoridades podem estar esperando que o aumento irá deter as fugas de capital – apesar do risco de que a decisão, se interpretada como uma política visando defender a moeda, poderia ter o efeito oposto”, diz o economista.

“O problema é que as taxas de juros mais altas deverão aprofundar a recessão econômica da Rússia, tornando o BCR um bode expiatório fácil. O que não sabem é que o banco central não é responsável pelos problemas da Rússia – a desvalorização do rublo, a recessão e o ressurgimento da inflação – e que usar taxas de juros para prevenir a fuga de capitais sempre fracassa. Políticos combativos podem ser contados nos dedos.

A ameaça a Putin está clara. Ele corre o risco de seguir o destino de seu predecessor, Boris Yeltsin, que presidiu durante um período de preços de petróleo raramente baixos. Até agora, Putin teve sorte, chegando ao poder no momento em que os preços do petróleo começaram a subir. A maioria dos cidadãos russos dá crédito a ele pelas duas décadas de aumento nos padrões de vida, depois de décadas de decadência.

A decisão de Putin de não implantar reformas impopulares que teriam criado um forte setor não-petrolífero de exportação pode ter sido ruim para a saúde da economia em longo prazo, mas isso permitiu a ele manter seu amplo apoio popular. Sua boa sorte na economia, combinada à sua disposição em enfrentar o ocidente, criou a falsa impressão na Rússia de que o país é, mais uma vez, uma potência mundial”, prossegue Wyplosz.

Muitos nos Estados Unidos e na Europa acreditam que exercer pressão econômica sobre a Rússia vai ajudar a provocar uma retirada de Putin do poder. Isso é um jogo extremamente perigoso. Na medida em que os padrões de vida na Rússia decaem, a única estratégia viável de Putin para se manter no poder será uma postura agressiva perante o mundo. Afinal, aventuras militares no exterior têm mais apelo quando internamente as coisas estão ‘pegando fogo’.

“Nada disso significa que o ocidente deva se curvar e abandonar seus princípios. Mas significa que chegou a hora para uma aproximação diplomática que não dependa na perspectiva de um colapso econômico da Rússia”, conclui Charles Wyplosz, em seu artigo na Project Syndicate.