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'Project Syndicate': Fugindo do rublo

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A revista Project Syndicate publicou nesta sexta-feira (19/12) um artigo onde analisa uma tendência que parece inevitável. “Nas últimas semanas, a queda do rublo russo e das ações russas seguiu de perto as quedas dos preços do petróleo. Mas tudo mudou no dia 15 de dezembro. O preço do petróleo permaneceu estável, mas o rublo e os índices dos preços de ações perderam 30% nas 24 horas seguintes. Um esforço sem precedentes do Banco Central da Rússia nas primeiras horas do dia 16 de dezembro para estabilizar o rublo, subindo a taxa de juros de 10,5% a 17%, se mostrou sem efeito”, escreve Sergei Guriev, que é professor de economia na Sciences Po, em Paris.

A causa da “segunda-feira negra” russa é bem visível: o resgate financeiro da estatal Rosneft, a maior empresa de petróleo do país, pelo governo. Normalmente, esses resgates financeiros acalmam os mercados; mas este lembrou as experiências do início da era pós-soviética, quando o BCR emitiu empréstimos diretos para empresas – invariavelmente alimentando uma inflação mais alta. O presidente do BCR da época, Viktor Gerashchenko, chegou a ser chamado de pior banqueiro central do mundo.

Em 2014, o BCR está mais retraído do que estava na época de Gerashchenko: a instituição não pode emprestar diretamente a empresas. Porém o banco tornou-se também mais sofisticado em alcançar os mesmos fins que Gerashchenko buscou.

Em outubro, o Rosneft emitiu US$ 11 bilhões em  bônus denominados em rublo (uma soma sem paralelos para os mercados russos, equivalente a 70% do valor total dos bônus corporativos emitidos na Rússia este ano). O cupom desses bônus foi na verdade de 1,5% abaixo dos bônus soberanos de maturidade similar, o que é atípico, especialmente levando em conta que o Rosneft está atualmente sujeito a sanções do ocidente.

Então, investidores anônimos (supostamente os maiores bancos estatais russos) se beneficiaram da decisão do BCR no dia 12 de dezembro em permitir que esses bônus fossem usados como colateral para empréstimos de três anos em rublo do BCR na taxa de juros. Além disso, o BCR marcou um leilão especial para esses empréstimos no dia 15 de dezembro – com o montante total dos empréstimos similar ao da emissão de bônus da Rosneft. Assim, o BCR seria capaz de fornecer uma pilha massiva de rublos para a Rosneft a taxas abaixo do mercado. Então por que o acordo desencadeou um pânico?

À primeira vista, esse acordo tinha a intenção de enfrentar os mais importantes desafios contemporâneos da Rússia. As sanções cortaram os bancos e empresas russas  dos mercados financeiros do ocidente. Companhias russas devem reembolsar ou refinanciar cerca de US$ 300 bilhões em dívidas nos próximos dois anos. Parte dessa soma é devida a donos de empresas russas offshore, que certamente ficarão felizes com uma rolagem. Mas na maioria dos casos, a confiança das empresas inclui a dívida a grandes bancos internacionais.

O melhor exemplo é a Rosneft, que pegou emprestado cerca de US$ 40 bilhões em 2013 para comprar sua concorrente, a TNK-BP. Cerca de US$ 10 bilhões dessa dívida deve ser reembolsada no quarto trimestre de 2014, incluindo um pagamento de US$ 7 bilhões no dia 21 de dezembro (US$ 20 bilhões a mais terão que ser reembolsados em 2015).

Investidores do mercado financeiro têm esperado pacientemente por um anúncio do governo de uma estratégia de enfrentamento da questão da dívida externa corporativa. O BCR introduziu uma flexibilidade de 12 meses de até US$ 50 bilhões, mas isso vai durar só até o fim de 2015.

Levando em conta que o preço do petróleo deve permanecer baixo, financiadores asiáticos – até mesmo os chineses – não parecem dispostos a refinanciar empresas russas, e as sanções não devem ser suspensas, é nítido que os investidores queriam uma solução mais ampla  e ousada. Rosneft pediu repetidamente US$ 40 bilhões do fundo de riqueza soberano da Rússia. Mas, com esse dinheiro já comprometido para outras finalidades, o governo optou por uma solução não transparente e não baseada no mercado que deixaria Gerashchenko orgulhoso.

Infelizmente, essa solução provoca vários problemas imediatos. Para começar, o risco de um default da Rosneft – assim como o custo de oferecer empréstimos subsidiados – é responsabilidade dos obrigacionistas. Se esses detentores de bônus são de fato os bancos estatais, o acordo realmente afeta o sistema bancário: ele aumenta a concentração de risco e implica em perdas adicionais da compra de bônus com taxas de juros abaixo do mercado.

Em segundo lugar, porque a Rosneft deve reembolsar sua dívida externa, e deve usar seu dinheiro do resgate financeiro para comprar dólares, o que pode resultar apenas numa futura pressão de queda sobre o  rublo. A Rosneft negou publicamente isso. Entretanto, os  mercados parecem esperar que os rublos recém impressos vão inundar os mercados de moedas.

Em terceiro, a estrutura não transparente do negócio mina a confiança na integridade e independência do Banco Central da Rússia. O dia seguinte à “segunda-feira negra”, o ministro da Economia Alexey Ulyukaev disse que o BCR deveria ter aumentado as taxas de juros antes. Isso imediatamente levantou suspeitas de que o BCR atrasou o aumento da taxa de juros para fechar o negócio numa taxa mais baixa.

"E por último, esse resgate financeiro não consegue dar uma resposta à questão que deveria enfrentar. Investidores não sabem se o resgate da Rosneft é um acordo único e, se não é, quais empresas podem esperar receber um tratamento similar do BCR. Dessa forma, eles não entendem como (e se) a dívida corporativa russa será reembolsada ou refinanciada – ou quanta confiança eles podem ter no rublo", conclui o artigo da Project Syndicate.