ASSINE
search button

Recessão técnica se confirma e alerta para declínio da indústria e da confiança

Brasil registra PIB negativo em dois trimestres consecutivos, de -0,2% e -0,6%

Compartilhar

O que o mercado e economistas já projetavam há meses se confirmou. O Brasil sofre uma "recessão técnica", situação que se configura com dois trimestres consecutivos de queda. De acordo com dados do IBGE divulgados nesta sexta-feira (29), o país registrou perda de 0,2% no primeiro e de 0,6% no segundo trimestre, em relação aos períodos anteriores. Economistas discordam que a Copa do Mundo ou o cenário externo justifiquem, por si, o fraco desempenho. A indústria de transformação e de construção civil, por exemplo, estão em queda constante há quatro trimestres consecutivos.

"Pior não poderia ser", ressaltou o ex-ministro do Planejamento e presidente do Fórum Nacional (Instituto Nacional de Altos Estudos - INAE), João Paulo dos Reis Veloso, em conversa com o Jornal do Brasil por telefone. "O Brasil é o país das oportunidades, só que elas não são aproveitadas."

O JB  vinha alertando para a possibilidade de recessão. No início de junho, a divulgação do acréscimo de apenas 0,2% do PIB no primeiro trimestre gerou expectativas pessimistas, com analistas reforçando as chances do PIB ficar negativo em dois trimestres seguidos - devido a resultado negativo no terceiro trimestre ou no primeiro, após uma revisão de seu desempenho, com o índice negativo do segundo trimestre já dado como certo. O resultado negativo, então, ficou mesmo com o primeiro trimestre, que sofreu revisão passando para uma queda de 0,2%.

>> Brasil pode ter recessão em 2014, acreditam analistas

>> Analistas reforçam possibilidade de recessão técnica em 2014

>> Rosenberg Associados: análise econômica prevê crescimento inferior a 1,8%

Na ocasião do anúncio do desempenho da economia brasileira, Rebeca Palis, gerente das Contas Nacionais trimestrais do IBGE, apontou para a indústria, que teve queda nas duas taxas de comparação (em relação ao trimestre anterior e ao mesmo período do ano passado), e também para os investimentos, que também caíram nas duas comparações. "Os investimentos foram afetados negativamente por todos os componentes, tanto a parte de construção civil e a parte de produção interna de máquinas e equipamentos, e importação de máquinas e equipamentos." Queda que também pode ser explicada, de acordo com Rebeca, pelo aumento da Taxa de Juros Selic, que no segundo trimestre deste ano estava em 10,9%, enquanto no mesmo período do ano passado estava em 7,5%.

Guido Mantega, ao comentar os resultados, justificou o desempenho ruim pela baixa demanda no comércio internacional, pelos efeitos da estiagem e ao menor número de dias úteis em junho, devido aos dias de jogos da Copa do Mundo. Os economistas consultados pelo JB, no entanto, acreditam que as causas são mais profundas e estruturais.

>> PIB registra queda de 0,6% no segundo trimestre

>> Mantega descarta recessão, mas vai rever meta de crescimento

>> Com queda do PIB, CNC diminui expectativa de crescimento da economia 

O pesquisador associado do Ibre/FVG, Vinicius Botelho, sobre a questão da demanda internacional, lembra que, em termos ajustados, tivemos contração das importações e crescimento das exportações. "O resto do mundo", então, "contribui positivamente para o nosso crescimento". Sobre os efeitos da Copa do Mundo, ele explica que, se fosse só isso, já estaríamos observando uma recuperação nas atividades, o que não acontece. 

"É um resultado muito forte para ter sido causado apenas por um mês", disse Botelho, se referindo principalmente ao desempenho da indústria de transformação e de construção civil, que têm passado por quedas desde o segundo semestre de 2013. Dentre os subsetores que formam a Indústria, apenas a Extrativa mineral registrou expansão no segundo trimestre em relação ao anterior, de 3,2%. A indústria de transformação (-2,4%), construção civil (-2,9%) e eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana (-1,0%) apresentaram queda. Em relação ao mesmo trimestre de 2013, a indústria de transformação caiu em 5,5% e a construção civil apresentou redução no volume do valor adicionado de 8,7%. 

Com o resultado, o Ibre revisou a projeção de crescimento do PIB neste ano de 0,6% para 0,4%. "Estamos com problemas do lado da oferta e do lado da demanda, problemas que só a Copa não poderia causar, é uma deterioração que vem de longe. Sem dúvida, no entanto, houve uma deterioração muito forte no dado de junho", esclarece Botelho.

O terceiro trimestre deste ano deve ter uma recuperação morna, de 0,1%, acredita o pesquisador, devido a dados de vendas ruins, queda de perspectiva para o mercado imobiliário, entre outros fatores.

Mauro Rochlin, professor de economia dos MBAs da FGV, acredita que o resultado é produto de políticas mal formuladas e mal executadas. "Fundamentalmente, a questão não é a Copa. É muito mais relacionada a ações pontuais que o governo adotou ao longo dos últimos três anos. Não a toa, o investimento é um dos que mais desabou." A Formação Bruta de Capital Fixo caiu 5,3% em comparação com o trimestre anterior e 11,2% em comparação com o mesmo período de 2013. O IBGE justificou o resultado pela queda da produção interna e da importação de bens de capital, e ainda pelo desempenho negativo da construção civil.

Rochlin critica a política de preços, como da gasolina e da energia elétrica, e o câmbio, em um movimento de "intervenção muito forte na economia", que derrubaram a confiança do setor privado. "O câmbio está tão fora do lugar, que por mais que a gente tenha ótimas estradas, tributação leve, burocracia leve, mão de obra qualificada, enfim, tudo que fosse necessário para um Custo Brasil baixo, ele rouba a competitividade. O tombo da indústria é emblemático, representa muito bem todo esse engano."

Reginaldo Nogueira, professor de economia do Ibmec também alerta para o "franco declínio" do setor industrial, para a queda muito forte no investimento privado, que representam uma "crise de confiança muito séria no setor privado". O ano eleitoral acaba influenciando os resultados, pondera, mas a agenda econômica que não o investimento e o ganho de produtividade são preponderantes, acredita Nogueira. 

"Eu acredito que a gente tenha chegado no fundo do poço. O ano de 2014 tem sido muito ruim, devemos terminar com um crescimento em torno de 0,6%. Em comparação com o segundo, o terceiro trimestre deve ter uma pequena melhora, mas nada extraordinário."

O problema maior, diz, é que a economia brasileira não tem conseguido ganhar competitividade, devido a um histórico de problemas, exacerbado pelo câmbio. "O governo coloca culpa no desacerto no resto do mundo, mas se a gente olha em volta, outros países da América Latina não sofrem uma crise tão severa. A primeira coisa que o governo precisa fazer é parar com a negação de que a política econômica foi equivocada, restaurar a confiança do setor privado, o que passa pela mudança na política fiscal, mostrar que o governo está preocupado com o lado da oferta e não exclusivamente com o lado da demanda."