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CVM já havia tomado conhecimento de irregularidades envolvendo extinta Atlântica

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Em 2011, a CVM já havia tomado conhecimento das irregularidades envolvendo a hoje extinta empresa Atlântica Administração de Recursos Ltda. A Superintendência de Relações com Investidores Institucionais (SIN), comunicou que a CVM deveria rejeitar um Termo de Compromisso apresentado pela Atlântica, o que de fato foi feito. O Jornal do Brasil levantou informações sobre o passado da Atlântica. Foram encontrados três documentos públicos apontando irregularidades na empresa e levantando os questionamentos sobre o longo tempo em que o calote da dívida argentina permaneceu às escuras.

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A Atlântica, antiga gestora do Fidex, tinha como diretor geral Fabrizio Dulcetti Neves. O nome do empresário aparece associado a outros escândalos. Um dos documentos traz o nome do advogado de Fabrizio, chamado Luiz Alfredo Paulin. O Jornal do Brasil tentou contato com o advogado, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

No dia 28 de setembro de 2011, a Superintendência de Relações com Investidores Institucionais (SIN), através do Comitê de Termo Compromisso, propôs ao Colegiado da CVM a rejeição de uma proposta apresentada em conjunto pela Atlântica e por Fabrizio. Segundo o relatório, o processo administrativo – que consta no site da CVM sob o número RJ 2010/7309 - surgiu em decorrência de comunicação da Financial Industry Regulatory Authority (FINRA), dos Estados Unidos, que relatou indícios de irregularidades envolvendo uma corretora americana e dois fundos constituídos no Brasil: o Brasil Sovereign II Fundo de Investimento de Dívida Externa e o Atlântica Real Sovereign Fundo de Investimento de Dívida Externa, ambos geridos pela Atlântica Administração de Recursos Ltda.

O documento afirma que, de acordo com a FINRA, o balanço anual da corretora, referente a 2008, indicava que 95% de sua receita total advinha de negociações feitas com os dois fundos. Ainda de acordo com o texto, a receita da corretora, entre janeiro de 2006 e setembro de 2009, foi de aproximadamente US$ 46 milhões, tendo sido gerada quase que exclusivamente pelas negociações dos dois fundos, sendo que, no período em que os fundos não eram clientes da corretora, sua receita não ultrapassou os US$100 mil. A FINRA registrou ainda que, com base em cinco negociações realizadas entre 6 de julho e 1º de setembro de 2009, a FINRA estimou em US$16,2 milhões o prejuízo para os fundos decorrente da atuação da corretora. Vale ressaltar que nesse período os títulos adquiridos inicialmente pela corretora foram repassados - com aumento expressivo no valor de cada negociação - a outros compradores, antes de serem adquiridos pelos fundos.

Ainda segundo o documento enviado pela FINRA, uma das operações mostra que, em negociações de Commerzbank AG Frankfurt A/Main Credit Note, títulos adquiridos pela corretora em 6 de julho de 2009 por US$3,7 milhões acabaram sendo vendidos a um dos fundos em 24 de julho de 2009 por US$6 milhões. O texto diz ainda que cerca de 70% dos valores cobrados a mais dos fundos nas operações analisadas terminou sendo pago em comissões “para determinados indivíduos” e que “vários sócios e empregados da Atlântica foram também empregados da corretora”. Nesse ponto, a FINRA cita Fabrizio Dulcetti Neves enfatizando que, além de empregado da corretora entre 16 de maio de 2006 e 17 de novembro de 2009, ele também era o diretor responsável pela Atlântica nas negociações dos fundos.

Foi realizada uma inspeção na Atlântica “com o objetivo de aprofundar os casos denunciados”, conforme afirma o documento enviado ao colegiado da CVM. O texto diz que foi confirmada a existência de indícios de irregularidades e que “para alguns dos ativos na carteira dos fundos, a gestora não foi capaz de comprovar adequada diligência, pois não foram apresentados estudos e análises de investimentos que fundamentassem suas decisões”.

O documento também dá conta que “foram percebidas falhas na metodologia adotada para a marcação a mercado de alguns dos ativos da carteira dos fundos, tendo em vista que a técnica de precificação utilizada não refletiria o real valor de mercado dos ativos” e que a corretora atuou na contraparte dos fundos em todas as operações analisadas. Sobre Fabrizio Dulcetti, a apuração confirmou que ele “admitiu em depoimento prestado aos inspetores que detinha 1% do capital social da corretora e trabalhou na prospecção de clientes” e que também “era o diretor responsável e presidente do comitê de investimentos da Atlântica, gestora dos fundos”.

O texto ressalta que, em depoimento, a Atlântica e Fabrizio Dulcetti Neves se limitaram a questionar aspectos formais dos procedimentos adotados pela SIN na investigação, como a ausência nos autos dos documentos contidos em CD, a existência de documentos redigidos em língua estrangeira e a legitimidade da fonte da informação em razão de não existir convênio oficial entre a CVM e a FINRA. Contudo, com o objetivo de encerrar o processo, eles apresentaram uma proposta de Termo de Compromisso que importa no pagamento individual à CVM de R$ 50 mil, totalizando R$ 100 mil. Essa proposta foi recusada, segundo a assessoria da CVM esclareceu ao Jornal do Brasil por telefone. Contudo, a CVM declarou que o processo ainda está em andamento e, por isso, não pode conceder mais detalhes.

Com essas conclusões, a SIN alertou a CVM dizendo que “ainda que existissem erros formais no processo, a não apresentação pelos investigados de sua versão dos fatos não parece ser uma conduta adequada”. Sobre o pedido de nulidade do processo, apresentado pela Atlântica e por Fabrízio, a SIN considerou falho, uma vez que não se tratava de um processo administrativo sancionador, e sim de um procedimento investigativo. O documento atenta ainda para o fato de que, “tendo em vista os princípios constitucionais da moralidade e da eficiência na administração pública, pouco importa se as informações estão em língua estrangeira, pois a CVM, uma vez que tomou conhecimento de seu teor, não poderia deixar de efetuar as devidas apurações”.

No dia 10 de novembro de 2011, o Diário Oficial da União (DOU) publicou uma apreciação de proposta de termo de compromisso, apresentada em conjunto pela Atlântica e por Fabrízio. A publicação dá conta do processo administrativo sancionado pela SIN. O DOU aponta a prática de “front running” em operações de aquisição de ativos realizados pela Atlântica em nome dos fundos. Essa é uma prática ilegal, que consiste na obtenção de informações antecipadas sobre a realização de operações financeiras que influenciarão a formação dos preços de determinados produtos de investimento.

Outra acusação explicitada no DOU é a prática de “churning”, que viabiliza um excessivo número de negócios realizados com o intuito de gerar pagamentos de taxa de corretagem. Também é citada a aquisição de derivativos em mercado de balcão para que outros fins que não a compra de títulos públicos indexados à variação do câmbio (hedge). Ambas as práticas são consideradas ilegais.

O DOU enfatiza que “o Comitê de Termo de Compromisso concluiu que seria inconveniente, em qualquer cenário, a celebração de Termo de Compromisso, considerando notadamente as características que permeiam o caso, tal qual o volume financeiro envolvido, o contexto em que se verificaram as irregularidades imputadas aos proponentes e a especial gravidade das condutas questionadas”. 

No dia 30 de agosto de 2012, a diretoria do Postalis divulgou uma nota no seu site se defendendo de acusações promovidas pela entidade que regula o mercado de capitais dos Estados Unidos, a Securities and Exchange Comission (SEC). A ação foi movida contra a Atlântica e a Postalis apareceu citada no documento porque adquiriu cotas do fundo Brasil Sovereign II Fundo de Investimento Dívida Externa, gerido pela Atlântica.

Na nota, o Postalis afirma que “foi surpreendido [...] com a informação de uma acusação no exterior em face da ex-gestora Atlântica e dos seus  respectivos sócios” e que estaria “apurando os fatos”, não hesitando em “tomar medidas cabíveis em caso de algum prejuízo ou desvio”.        

* Do Programa de Estágio do Jornal do Brasil