Era uma briga bilionária entre dois gigantes empresariais. De um lado a Whirpool Corporation no Brasil, a filial do gigante americano que fabrica no país as marcas Brastemp, Consul e KitchenAid. De outro, o Banco Safra, o quarto maior banco privado brasileiro. A disputa de três décadas teve um desfecho esta semana no Carf, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, espécie de tribunal de apelações da Receita, que conta com a participação de contribuintes.
O Banco Safra acionava a Whirpool, desde 1989, para cobrar um empréstimo milionário que o diretor superintendente e três gerentes de uma empresa do grupo, a Embraco, tomaram sem o devido registro na companhia. Após quase 30 anos, o Carf decidiu, quarta-feira, 19 de setembro, que não devem incidir Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) nem de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre a dívida, que atualizada, chegou à casa de R$ 1 bilhão que o grupo Whirlpool foi obrigado a pagar ao Banco Safra.
Entenda o caso
Segundo o site “Jota”, especializado em questões forenses, o então superintendente da Embraco, Rodolpho Bertola, e outros três funcionários pegaram o dinheiro emprestado do Safra no final da década de 1980 para financiar a Distribank, corretora de valores controlada por um filho do executivo. Por algum tempo os quatro esconderam o empréstimo da contabilidade porque a Distribank costumava pagar as parcelas desviadas da Embraco. Entretanto, segundo a defesa, a corretora ficou insolvente em 1989 quando houve uma quebradeira nas bolsas de valores brasileiras.
De acordo com a defesa, a Whirlpool descobriu a dívida quando o próprio presidente do banco, Joseph Safra, ligou para o presidente do conselho de administração da Embraco para cobrar o empréstimo. Logo em seguida, o grupo demitiu os quatro envolvidos e passou a discutir na Justiça se deveria pagar a dívida com o Safra. Somando principal, juros e honorários, a dívida chegou a quase R$ 1 bilhão. As partes chegaram a um acordo quanto ao valor devido apenas em 2011, após 22 anos de disputa judicial.
No Carf, o grupo discutiu se a despesa de R$ 1 bilhão é dedutível do cálculo do IRPJ e da CSLL. As partes debateram se, para efeitos tributários, Rodolpho Bertola seria considerado empregado ou sócio da Whirlpool. Isso porque o artigo nº 364 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR) permite a dedução de prejuízos causados por desfalque, apropriação indébita ou furto por parte de empregados ou terceiros.
Somente serão dedutíveis como despesas os prejuízos por desfalque, apropriação indébita e furto, por empregados ou terceiros, quando houver inquérito instaurado nos termos da legislação trabalhista ou quando apresentada queixa perante a autoridade policial
Desfalque por empregados
De um lado, a empresa defendeu que o estatuto da companhia determinava a subordinação do diretor superintendente ao presidente do conselho de administração da Embraco. A defesa alegou que o desvio de recursos por parte dos empregados faz parte do risco empresarial, motivo pelo qual o Regulamento do Imposto de Renda (RIR) teria artigos para prevenir esse tipo de atitude.
Por outro lado, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional alegou que Bertola era diretor superintendente há 12 anos, de forma que suas ações representam a vontade da companhia e deveriam ser equiparadas à posição de sócio. Assim, na lógica da Fazenda, os atos de má gestão não teriam sido realizados à revelia da empresa, mas devido a uma crise de governança que não justificaria a dedução na base do IR.
Segundo a defesa da Whirlpool, Rodolpho Bertola não aumentou o próprio patrimônio após desviar o empréstimo em benefício do filho. Depois da demissão, o antigo executivo teria aberto uma pequena loja para revender calçados que comprava em ponta de estoque em Franca, no interior de São Paulo. Como passou a trabalhar como comerciante e não tinha bens, o grupo decidiu não mover uma ação contra Bertola para requerer o valor.
Por unanimidade, a 2ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção afastou a cobrança fiscal no último dia 19. Os conselheiros não chegaram a uma conclusão quanto ao suposto vínculo empregatício do superintendente, mas entenderam que a participação dos três outros funcionários foi crucial para que o esquema ilícito se concretizasse, já que eles negociaram com o Safra e forjaram a contabilidade da Embraco.
Para fraudar o banco, os gerentes se basearam em procurações assinadas por um superior, autorizando-os a gerir os negócios habituais da empresa. Como não havia dúvida de que os três eram empregados, para os conselheiros ficou configurada a hipótese do artigo nº 394 do RIR.
“Ainda que a conduta do diretor superintendente possa ser discutível, ficou caracterizado o dispositivo do 364 pelo conjunto dos fatos. A não ser que os três fossem coagidos”, disse o presidente da turma, Luiz Tadeu Matosinho Machado.
Votaram pelas conclusões os conselheiros Maria Lúcia Miceli e Paulo Henrique Silva Figueiredo, representantes da Fazenda Nacional. “Não há prova de que os três não se beneficiaram e foram meros instrumentos para benefício único e exclusivo de Bertola. Se fossem meros instrumentos, não caberia a dedutibilidade, mas isso não ficou comprovado”, argumentou Figueiredo.