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Os três movimentos de uma vida: confira crítica sobre a peça “Chopin ou O tormento do ideal”

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Desde o século XIX, existem alguns artistas-ídolos que, por suas características, hoje seriam chamados de pop. Com um talento incomensurável, uma história pessoal fascinante e ao mesmo tempo trágica, com um mistura de grandes amores, desgraças, uma turma de outros intelectuais que lhe rodeiam, luxo, Chopin é um dos mais emblemáticos desse tipo de artista. Polonês, filho de um francês casado com uma professora de piano polonesa, o compositor e pianista é considerado o maior dos românticos. A biografia e a música de Chopin e o seu relacionamento com a arte, com o seu país, seus amores são o fio condutor de “Chopin ou O tormento do ideal”, em projeto idealizado por Nathália Timberg, no Teatro Maison de France. 

Com direção de José Possi Neto e tendo ao piano Clara Sverner, que toca as músicas que apoiam as falas, o texto do ator e autor francês Philippe Etesse, encenado em um ambiente que nos lembra o século XIX - com apoio de um telão onde se projetam, sempre em preto e branco, imagens gráficas, mares - “Chopin ou O tormento do ideal” é dividido em três vozes distintas, todas representadas por Nathália.

Um conjunto de textos e cartas sobre o compositor de artistas como pianista Franz Liszt e dos escritores e poetas Alfred de Musset (1810-1857), Baudelaire (18211867), Gérard de Nerval (1808-1855) e Saint-Pol-Roux é o primeiro movimento no qual se fala das angústias e dos talentos do compositor em relação à sua arte. Essa voz narrativa é a abertura da peça, assim como o seu final e nos mapeia exatamente, com o olhar de diferentes gerações, o valor de Chopin. 

O segundo movimento é a reprodução das cartas de Georges Sand, o pseudônimo da escritora Aurore Dupin, quando Nathália tira o paletó - pois seu figurino é o clássico ensemble preto do XIX, blusa com o jabot - para falar desse relacionamento emblemático pela sua duração, pelos seus conflitos, pelas sua dificuldades. O tempo em foco é a fracassada estadia do casal em Mallorca, em busca do sol e da cura dos problemas pulmonares de Chopin. É nesse momento que Clara Sverner interpreta o popularíssimo “Noturno”, a mais conhecida peça da Música Clássica Romântica. É o amor em estado puro, é a noite em que a paixão cresce, se retrai, atinge o êxtase. A interpretação de Nathália tem o tom da mulher que sabe da paixão, mas conhece as suas dificuldades e limites. 

O terceiro movimento é a própria voz de Chopin. Nathália coloca o paletó, senta-se livremente na poltrona e com a sua voz inconfundível vai pontuando, sem qualquer tentativa de se masculinizar, o drama do exílio físico e de alma de Chopin. Conta de sua infância, de sua vida na Polônia e de sua escolha por Paris. Fala dos sentimentos em relação à família, como lhe dói a distancia. Não exprime amor nem de paixão. Sabe apenas que o tempo, por causa de sua doença incurável, lhe é curto. A urgência se reflete na voz de Nathália e na forma como encarna o compositor.

É na voz de Chopin que acontece o instante genial da peça. O telão exibe pela primeira vez imagens de fogo em cores, a voz de Nathália desespera-se, abre os gestos, pergunta, responde, procura. O texto é a descrição do compositor da invasão de Varsóvia pelos russos em 1831, sua preocupação desesperada com sua família, suas raízes. Nesse momento, Clara Sverner toca o “Estúdio revolucionário”, composta por essa ocasião. A união do impacto das imagens, com a execução de Clara Sverner e a interpretação de Nathália transformam essa cena na perfeita descrição da proposta do espetáculo: os movimentos de um artista pelos diferentes estilos de música, por países e por amores.

* Professora do Depto. de Comunicação da PUC-Rio e doutora em Letras

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Serviço 

“CHOPIN OU O TORMENTO DO IDEAL”. Teatro Maison de France (Av. Pres. Antônio Carlos, 58 – Castelo; Tel.: 2544-2533) De sex a dom., às 19h30, até 29/7. Ingressos a R$ 40 e R$ 80. Duração: 1h40. Classi?cação: 14 anos.