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Carlos Saldanha banca prêmio para novos talentos

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Nenhum cineasta brasileiro jamais somou tanto público, mundo afora, quanto Carlos Saldanha, carioca de 53 anos, crescido em Marechal Hermes e que transformou a Blue Sky Studios em uma das maiores grifes de animação de Hollywood. Somados, os sete longas-metragens que dirigiu nos EUA totalizam US$ 3,4 bilhões nas bilheterias. De quebra, recebeu duas indicações ao Oscar pelo curta “Gone nutty”, em 2004, e por seu mais recente filme, “O Touro Ferdinando”, lançado em janeiro. Ele já tem um longa novo, ainda sem nome, para animar. Em paralelo, destinado a investir em narrativas de live action (ou seja, com gente de carne e osso em vez de figuras animadas), ele desenvolve seu primeiro projeto de série, “Cidades invisíveis”, pra Netflix, com Marco Pigossi como protagonista. 

Tudo isso já seria o suficiente para justificar o Troféu Eduardo Abelin, tributo dado a realizadores de verve autoral, que receberá no 46º Festival de Gramado, de 17 a 25 de agosto). Porém algo a mais conta a favor do prestígio de Saldanha no país: sua contribuição para oxigenar a indústria animada nacional, nestes tempos de crise econômica e de retração de investimentos no cinema. Convidado a dar palestra sobre suas técnicas de direção no Anima Mundi, Saldanha vai custear, do próprio bolso, um par de prêmios para os concorrentes do festival, que ocorre entre os dias 21 e 29 no Rio de Janeiro e de 1º a 5 de agosto em São Paulo. No fim da maior maratona animada das Américas, ele entregará o prêmio de “Melhor curta brasileiro” , no valor de R$ 5 mil e o prêmio “Melhor curta de estudante brasileiro”, no valor de R$ 3 mil. Esta conta é dele. 

No próximo dia 28, Saldanha sobe ao palco do Cine Odeon-Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro, às 16h, para conversar com o público sobre o processo de criação de “O Touro Ferdinando”. O diretor fala da importância de dar ânimo a novos cineastas no Brasil.  

JB: Onde o Anima Mundi entra na sua relação com o cinema? 

Carlos Saldanha: Passei os últimos 25 anos fora daqui, trabalhando na Blue Sky, nos arredores de Nova York, e o Anima Mundi, nesse tempo, sempre se mostrou, para o mundo, como um espaço fundamental para apresentar as novidades do cinema que faço para os brasileiros. E notei que o festival, apesar da sua importância, vem sofrendo com a luta por patrocínio. Encontrei seus diretores, Aída Queiroz e o César Coelho, em festivais no Chile e na França, lá em Annecy (o maior do setor), e eles me chamaram para palestrar. Só que, diante deste momento de dificuldades, achei que minha forma de contribuir deveria ir além de falar de meus filmes. Ajudar os novos diretores com dinheiro seria uma forma de remar contra a maré do pessimismo no país.  

O que signi?ca fazer animação depois de tantos anos de trabalho e de sucessos? 

Eu adoro animação, nunca vou deixar de fazê-la e já tenho um longa para tocar na Blue Sky, ainda em fase embrionária, sem nome nem trama que possa divulgar já. No entanto,tenho vontade de trabalhar  com live action, como diretor ou produtor, pois reconheço que há uma adversidade em se fazer animação: demora muito – no mínimo uns três, quatro anos para desenvolver um longa animado. Vou tentar aproveitar esses períodos e tocar projetos paralelos, com atores. Fui produtor-executivo de um filme brasileiro lançado há pouco, “Antes que eu me esqueça”, para o diretor Tiago Arakilian. Ter dirigido atores (Bruna Linzmeyer e Rodrigo Santoro) num segmento do longa “Rio, eu te amo” me deu esse gostinho.

Você tem agora a série da Net?ix “Cidades invisíveis”, sobre um submundo habitado por criaturas míticas que evoluíram de uma linhagem do folclore brasileiro. O que esperar dela?

 É uma trama policial, mas que investe na fantasia, a partir do folclore. Vou filmar no Rio e em São Paulo, usando referências folclóricas de todo o país, tendo o ator Marco Pigossi como protagonista. Ele está trabalhando numa série da Netflix na Austrália e, depois disso, vem pra gente. Estou fechando a nossa turma de roteiristas, a fim de começar a produção dos roteiros em agosto ou setembro.

Como encara a homenagem do festival de Gramado, o mais popular do cinema nacional? 

Eles me procuraram há uns meses, sem que eu tivesse qualquer expectativa. É um reconhecimento sem tamanho porque não estou sendo premiado no setor de animação, mas sobre cinema em geral, que reconhece a obra de diretores por sua importância estética, independentemente de registro ou temática. Tem até um espaço pequeno para a animação lá, historicamente – tomara que ele possa crescer agora. E será uma honra conhecer o evento; sempre ouvi falar da importância de Gramado, mas nunca participei dele.

Você trabalha fora de Los Angeles, em um estúdio que, desde 2002, com “A Era do Gelo”, passou a ser grife de sucesso, com indicações ao Oscar e bilhões nas bilheterias. O que a Blue Sky representa hoje em Hollywood? 

Tentamos que ela ainda representasse o que sempre foi: um estúdio familiar, pequenino, ligado por contrato à Fox, mas com autonomia para desenvolver projetos das mais variadas temáticas. Temos uma identidade, pela liberdade, mas não temos um estilo visual tão marcado quanto o da Pixar, na Disney. Temos projetos bem variados em desenvolvimento hoje em dia, como “Spies in disguise”, a ser dublado pelo Will Smith, e “Nimona”, baseado em uma HQ. E tem o meu, ainda bem no início. As coisas devem mudar agora que a Disney está em negociações para comprar a Fox, mas não tenho medo de mudanças, desde que sejam boas. Eu não sou sócio, na prática, da Blue Sky, sou “sócio afetivo”, só – um dos mais antigos funcionários, ao lado do Chris Wedge, que me chamou pra fazer o primeiro “A Era do Gelo”. Por antiguidade, somos o coração do estúdio desde a sua gênese. A gente apareceu fazendo uma linha mais cômica. Hoje, na animação feita via Hollywood, a Illumination, que faz os Minions, ocupou este lugar e a gente passou a se diversificar cada vez mais, indo do épico a projetos como “Ferdinando”.     

Tem fôlego pra mais um “Era do Gelo”? 

Temos conversado internamente sobre a hipótese de fazer mais um, já  foram cinco. Mas eu só estaria nele se fosse pra recomeçar tudo e reaver a essência da franquia. Se não, avançam as histórias, mas perde-se a alma do projeto. A questão é fazer as coisas com e por amor.

 * Roteirista e presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio (ACCRJ)