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Encontro inédito de Criolo e Mano Brown nos palcos cariocas acontece esta noite na Lapa

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Mano Brown, 48, pede um momento para “sair do barulho” antes de começar a entrevista: “Tô aqui na favela, ouvindo um som, com meus amigos”, explica, despretensioso. Apreciava “Nascente”, dueto de Flávio Venturini e Ed Motta. “Olha essa batidinha, coisa linda de morrer”, comenta. Já Criolo, 43, é mais circunspecto. Revela, encabulado, não saber dar entrevistas: “Para mim é um eterno aprendizado”, admite. Com humildade além da conta, comenta também que sonhava “tocar em um lugar onde, pelo menos, o microfone funcionasse”. Diz isso antes do encontro histórico na Fundição Progresso, onde se apresenta hoje, ao lado de Mano Brown. Apesar de serem donos de personalidades distintas, os dois são muito amigos e ícones da música nacional.

“É muito forte dividir palco com um cara que você passou uma vida escutando. Uma referência. O cara começa a cantar ‘Vida Loka, Pt. 1’, ‘Diário de um detento’ e você fica como, mano… É emocionante. É muito forte, cara”, comenta Criolo, abusando da deferência, sobre o parceiro de holofotes. Ele e Brown se conhecem há anos. Já dividiram tablado, com Emicida, em 2013, e participaram do último disco do maestro Arthur Verocai (“No voo do urubu”, de 2016). Decidiram firmar a parceria depois do show no Festival Planeta Brasil, em janeiro, em Belo Horizonte. Na semana passada fizeram show em São Paulo e, agora, chegam ao Rio.

“Cada edição é histórica. Para mim, sempre é uma descoberta. Estou percebendo isso a cada show. Pessoas que não me conheciam, ou me conheciam como uma espécie de ‘lenda’, estão descobrindo meu som. Não sei como eles me veem hoje”, reflete Mano Brown. “O Criolo fez e faz muito, está trazendo um pessoal novo para o rap”, completa o líder do Racionais MC’s. “Muita gente me escuta e nunca escutou o Brown, o Racionais, só conhece de nome. Isso é um absurdo. Os caras pavimentaram tudo aí, todo o caminho do rap nacional”, acrescenta Criolo.

“Hoje, vejo o quanto foi feito lá atrás. Uma bolha frágil sobreviveu. Pepeu e DJ Cuca, Thaíde, depois veio o Racionais… O rap hoje é um movimento de proporções jamais imagináveis. Além do mundo material”, ressalta Brown. “A gente encontrou no rap uma forma de expressão. É uma celebração de muitas histórias. Eu e o Brown viemos lá da Zona Sul de São Paulo. Nós, com a história que temos… Só de a gente estar vivo, a gente é uma fruta”, divaga Criolo, remetendo a “Vem comigo”, uma de suas raridades: “Boy que ser malandro, mas malandro tem estilo/É que um é suco da fruta, o outro é suco de pozinho.”

No séquito de Criolo, inclusive, tem muito “suco de pozinho”: “O rap não é ritmo da moda. É a moda [risos]”, frisa o MC. No entanto, a mensagem, de acordo com Mano Brown, não chega a este receptor, ao “boy”, da mesma forma que chega ao negro da favela. Ele, com propriedade, analisa: “Como a coisa andou, como atingiu outras classes. Só que na favela é o seguinte: tem uma coisa racial, que divide o negro e o branco. Há uma diferença entre ser um negro gângster e um branco gângster. A música tem mesmo que conquistar o coração do cara da favela, do negro, entendeu?”, analisa. “O negro tem que ver o cantor, se perfumar, se vestir bem. A gente faz tudo isso. O negro sabe tudo. Quem não sabe é o branco. Respeito o cara de fora”, comenta.

Com a mesma facilidade, Brown discorre sobre seu último disco, “Boogie naipe”, de 2016. No álbum, o MC se lança ao funk e ao soul e, por isso, alguns o criticaram. “Jamais deixei o rap e nunca vou deixar. O rap está na minha vida”, destaca. Já Criolo, que caiu no samba em “Espiral da ilusão” (2017), também recebeu o mesmo julgamento. Também faz a sua “defesa”: “De repente, quem faz esse tipo de crítica é quem não entende a história da música preta do Brasil. O Brown foi para uma raiz da música preta mundial e eu para uma outra. E ainda tem outra questão: o rap faz parte da minha vida. Assim como da vida do Brown. A verdade é que todos esses gêneros musicais estão dentro de uma gaveta e essa gaveta está toda bagunçada [risos]. É uma mistura”, salienta.

No repertório do show de hoje, haverá canções dos discos citados e outras da ótima discografia dos MCs. Mano Brown fará a plateia entoar singles de “Sobrevivendo no Inferno” (1997) e “Nada como um dia após o outro dia” (2002), clássicos do Racionais MC’s. Já Criolo irá disparar rimas presentes em “Ainda há tempo” (2006), seu primeiro álbum; “Nó na orelha” (2011) e “Convoque seu Buda” (2014), seu penúltimo trabalho.

Criolo e Mano Brown estão ansiosos pelo show no Rio, principalmente por conta da situação pela qual a capital fluminense atravessa. Em tempos de intervenção federal, nada melhor que as rimas pungentes dos dois MCs. “A população do Rio vem sofrendo amargamente há muitos anos. Cara, a bala não faz curva. Acontece. É uma consequência”, destaca Criolo. “Quanto foi roubado no Rio? A gente nem sabe. Não falam da Marielle, não falam do Anderson, não falam do Amarildo… Para eles [os governantes], pobre bom é pobre morto. Preto bom é preto morto”, ressalta. 

Brown partilha ideias similares: “O Rio é muito especial. É um povo que não pode ficar assim, não pode ser abandonado no meio do tiroteio”. O MC também teceu comentários sobre a religião dentro das comunidades cariocas. “Mexer com a fé das pessoas é muito complicado. Não quero causar ódio, nem revolta. Respeito todo mundo que quer fazer o bem. [O problema é que] todo mundo quer vender ideias religiosas para o favelado. Se você tem o monopólio espiritual, o que você quer com isso além do dinheiro?”, questiona. “Pede para alguém ver o quanto foi roubado só no Rio. Só com o que a gente sabe, daria para alguém deixar de comer comida do lixo. Põe na ponta da ponta do lápis e veja quantos jovens poderiam ser salvos?”, questiona Criolo.

No entanto, mesmo com todas as mazelas, ambos acreditam no Rio. Creem também que farão um ótimo show. Quem abre os trabalhos na Fundição é BK, jovem rapper carioca. “A geração dele já está diferente, em termos de rima, de tudo. A gente sempre tem procurado trabalhar com o pessoal mais novo. Todo mundo é bem-vindo e tem que viver sua história”, diz Criolo. “Estou vendo muita gente da raça chegar, não só no rap. Muita gente chegando com força”, comenta Mano Brown. “É só dar espaço para a raça que a raça chega. Se não der, a raça vai lá e toma”, arremata. A frase de Brown é emblemática. Faz lembrar uma rima dos Racionais: “Senhor de engenho,/Eu sei bem quem você é/Sozinho, cê num guenta - Negro Drama

Não aguenta sozinho Mano Brown. Imagina ter que segurar Brown e Criolo? “Não segura mesmo!”