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Entrevista: cineasta Xavier Legrad conta como arrebatou críticos e conquistou prêmios com ‘Custódia’

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Cenas da vida: lá pelo meio do Festival Varilux, que termina hoje depois de 14 dias, um cinéfilo já grisalho, habitué do Cine Odeon, que estava acompanhando a maratona nacional de filmes franceses desde a abertura, virou-se para um grupo de jovens, afoitos por conhecerem a programação do evento, e cravou: “Se vocês forem escolher um único filme desta mostra para ver, apostem em ‘Custódia’, pois raras vezes a França fez coisa tão boa”. 

A opinião deste entusiasta – um crítico anônimo – coincidiu com muitas resenhas escritas por decanos da imprensa cinematográfica europeia acerca do longa-metragem de estreia de Xavier Legrand. A primeira exibição deste drama (com tons de thriller de suspense) sobre as sequelas de uma separação se deu em setembro de 2017, na disputa pelo Leão de Ouro de Veneza. Aos 39 anos, Legrand saiu de lá com o prêmio de Melhor Direção e o troféu Luigi De Laurentiis dado ao melhor longa de cineasta iniciante. Sobrou para ele ainda uma láurea de júri popular no Festival de San Sebastián, na Espanha. 

O que “Jusqu’à la garde” (seu título original) tem de tão bom? Bom, como sua estreia comercial no Brasil está prevista só para 5 de julho, vale pegar uma das derradeiras sessões desta produção, nesta quarta, no fim do Varilux: tem às 13h45, no Museu da República; às 14h no Cinestar Laura Alvim; e às 18h25, no Espaço Itaú.

Indicado ao Oscar de Melhor Curta-metragem por “Avant que de tout perdre”, Legrand, antes conhecido por seu trabalho como ator, narra em “Custódia” o processo de enfurecimento de um pai de família, o brucutu Antoine (Denis Ménochet), depois que sua mulher, Miriam (Léa Drucker) pede a separação. A dificuldade para poder encontrar e se relacionar com seus filhos gera loucura e violência, retratadas numa narrativa sufocante, que extrai tensão de cada um de seus 93 minutos. 

Conhecido por longas como “Bastardos inglórios” (2009) e “7 dias em Entebbe” (2018), Ménochet encarna Antoine como se fosse um leão ferido: seu modo de amar é bruto. Nesta entrevista ao JORNAL DO BRASIL por e-mail, Legrand esmiúça como este filmaço foi urdido.

JB: Apesar de passear do drama ao suspense, “Custódia” é uma história de amor, acima de tudo. Mas que amor é esse?

Xavier Legrand: É tóxico. Prefiro definir este filme como a história sobre um lugar onde um dia houve um grande amor, e este se transformou num exercício de controle coercitivo. Antoine, o pai, é um narcisista, que sofre de paranoia e de ciúme doentio. Ele pensa que Miriam pertence a ele. Esse sentimento de posse o levará a fazer de tudo para que ela continue com ele.   

Como é que a edição foi concebida para valorizar a tensão?

Em geral, as pessoas montam um copião inicial com o material bruto e tiram, dia a dia, o que é considerado excesso. Não fizemos esse corte inicial assim: meu montador, Yorgos Lamprinos, e eu fomos diretamente às cenas de tensão, de ritmo mais ágil, de modo a criar uma estrutura narrativa em que o suspense parecesse orgânico.  

Sua fotografia é cem por cento realista. Como foi construída a luz de “Custódia”?

Na busca pela simplicidade. Nathalie Durand, minha diretora de fotografia, foi atrás da essência do roteiro: o cotidiano. Trabalhamos com luz natural e fizemos marcações na condução dos atores usando movimentos de câmera bem simples, simétricos.  E nas cenas de mais violência jogamos com a ausência de luz, para desfocar o olhar do espectador, de modo a aumentar sua incerteza acerca do que está se passando.

Existe uma espécie de personagem imaterial no filme, tão importante para a trama quanto Antoine ou Miriam: o silêncio. O filme é pautado pela quietude. O que o silêncio significa como ferramenta estética?    

Em “Custódia”, o silêncio é a força que confina os personagens num pesadelo contínuo. O filme começa numa audiência de conciliação onde o casal em conflito discute por cerca de 20 minutos. Dali para diante, não há nada mais a ser dito. Todos os argumentos estão na mesa. Mas o filme se interessa por aquilo que se passa depois do que foi arbitrado pela Justiça: as emoções inerentes à sentença. Só nos resta observar.

No Brasil, “Custódia” foi o filme mais elogiado do Varilux, evento criado para promover o melhor do cinema francês. Como você avalia a situação atual desse cinema? 

Nossa força vem da variedade, da multiplicidade, da diversidade. A mistura de gêneros que você encontra no meu filme não é algo inerente ao nosso DNA cinéfilo. Mas o hibridismo é algo que atrai os críticos e satisfaz o público. Foi assim com a nossa história.

* Roteirista e presidente da Associação de Críticos do Rio de Janeiro (ACCRJ)