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Crítica: 'As boas maneiras'

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Raras vezes se tem a clara sensação de estar diante de “algo maior” no cinema. Os diretores Juliana Rojas e Marco Dutra sempre flertaram com o máximo em experiência cinematográfica desde os curtas-metragens. Sendo eles signatários do cinema fantástico brasileiro (gênero que não apenas tem crescido como também apresentado profissionais e produções acima da média), seu nível de excelência tradicional causa ainda mais espanto e alegria. Rojas e Dutra já tinham mostrado supremacia imagética em sua estreia em longas - “Trabalhar cansa” é um dos mais importantes filmes da década - e voltam a assombrar a concorrência em seu novo filme, entregando um filme ainda melhor que tudo que tinham feito até então. E aí acaba a primeira hora de filme... 

Pensado originalmente com o roteiro centrado nessa metade inicial, “As boas maneiras” teria sido um clássico se assim tivesse se mantido. A história da jovem mulher contratada como doméstica de outra jovem, que se envolve além da conta com a patroa e sua enigmática gravidez, é o filme do momento para onde se olha: discute-se feminismo, racismo, relações de poder no trabalho, tudo com muitas camadas e nenhum panfleto. O pacote é embalado por trilha sonora impecável, os dois pés no cinema de gênero que constroem a filmografia da dupla, e a fotografia do às Rui Poças, que rege o balé de luzes, cores e enquadramentos, nos transportando para aquela atmosfera que é, ao mesmo tempo, sonho e pesadelo. O longa funciona muito bem sozinho como diversão escapista, e ainda melhor quando metaforizado à luz da nossa sociedade, demonstrando potencial para debates acalorados e certeiros com sua visão ímpar e concentrada sobre o atual estado das coisas. 

O trabalho de Isabel Zuaa (revelada em “Joaquim”)é muito bom, mas faltam adjetivos para acrescentar na conta de Marjorie Estiano, uma interpretação absolutamente arrebatadora e inesquecível, ambas criando uma química essencial para a absorção do todo. Ainda que o filme saia do lugar mais alto do podium na segunda hora, com o desdobramento do que reservou o futuro àquelas mulheres após o nascimento e crescimento da criança, e os tiros para ainda mais alvos que o filme dá, apenas há um deslocamento da categoria “genial” para a de “um dos melhores de 2018”, ainda se dando ao luxo de quase nos fazer relevar seus pontuais inchaços ao entregar brilhantes cinco minutos finais. 

* Membro da ACCRJ

Cotação: *** (Bom)