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Dicas do Aquiles: Sabedoria de mestre

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Com voz prodigiosa, Izza Beatriz é uma menina de 17 anos – aos 28 sua voz permanecerá como é hoje? Ou mudará, como é próprio da natureza humana?

Informações: “Coração de alface” (Sete Sóis) é o primeiro CD de Izza. Tem apenas seis músicas, todas parecendo feitas sob medida para a sua voz. São melodias com poucas passagens pelas regiões mais agudas, privilegiando regiões médias e, em algumas ocasiões, chegando às mais graves – pois é precisamente nessas regiões, as médias e graves, que Izza brilha, num disco que já despontou maturado.

A direção artística e a pré-mixagem do álbum couberam à Rovilson Pascoal, ele que ainda tocou baixo, guitarra, violões de aço e de 12 cordas, órgão, percussão e lap steel, e dividiu os arranjos com Flávvio Alves.

Incrédulo: caramba! A menina tem o dom de cantar regiamente, e a pouca idade, até agora, não interferiu na emissão e na extensão de sua voz... Só que essa madureza vocal pode ser ilusória, pois a natureza poderá se encarregar de mudar o timbre e o alcance de sua voz. Ainda assim, meu espanto só faz crescer.

Devaneando: perdoem-me os que não conheceram Zé Trindade (1915/1990), um dos nossos maiores comediantes da era das chanchadas. Mas peço licença para usar um de seus famosos bordões safadinhos: “O que é a natureza!”. Pois é, seu Zé, parece que a Izza veio para “desrespeitar” a natureza – não a do seu bordão, mas a humana.

Comentando: o “desrespeito” começa com “Algo que valha a pena” (Daniel Groove), um reggae que o baixo e a guitarra impulsionam à frente. Com intervenções de teclado, viradas da batera e vocalizes abertos em vozes, Izza vem que vem. Vixe!

“Coração de alface” (musicaço de Carlos Careqa) vem a seguir. A intro é do piano e da guitarra, ela que ainda brilha num intermezzo. Graças à sua plenitude vocal, talvez seja nessa música que Izza mais demonstra equilíbrio na emoção, com a qual os versos se agigantam.

“Dos dois” (Juliano Gauche) trata da pungente separação de um casal. Ela “voando para um novo amor”, ele “esperando pelo mesmo amor”. A intensidade do drama ganha contornos ainda mais dramáticos na voz da garota. A melodia é bela; o arranjo, também.

A tampa fecha com “Primeira cantiga” (Fred Martins e Manoel Gomes). Izza dobra a voz em uníssono: “Meu silêncio vai embora/ Na espera de me ouvir cantar (...)”. Assim Izza Beatriz se entrega à arte de cantar.

Sonhando: se eu tivesse alguma amizade lá nas lonjuras do céu de todos os credos, solicitaria que não mexessem na voz da moça. Que a deixassem seguir cantando como hoje. Falaria a eles sobre aFInação, suingue e divisões rítmicas, virtudes às quais Izza dedica zelo máximo. E direi que ela digniFIca o canto que irrompe de sua garganta privilegiada. E, por fim, anotarei que a arte de Izza tem uma poderosa virtude: sabedoria de mestre.

Clamando: que a natureza seja benevolente e permita a Izza Beatriz seguir driblando a natureza e cantando do mesmo jeitinho que canta hoje. A música brasileira agradecerá.

*Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4