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Atriz francesa volta às telas brasileiras com 'A câmera de Claire'

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Dois anos depois de sua indicação ao Oscar, por “Elle”, a francesa Isabelle Anne Madeleine Huppert - uma atriz onipresente, graças à qualidade de sua interpretação, que retorna às telas brasileiras com “A câmera de Claire” – pode voltar aos holofotes de Hollywood este ano, ao lado de um cineasta campeão de bilheteria do passado, há tempo esquecido, que conta com o carisma dela para se repaginar nas telas, o irlandês Neil Jordan. 

Aclamado nos anos 1990 com “Traídos pelo desejo” (1992) e “Entrevista com o vampiro” (1994), Jordan põe Isabelle ao lado de Chloë Grace Moretz no suspense “The widow”, previsto para concorrer ao Leão de Ouro do Festival de Veneza (a partir de 29 de agosto). Na trama, a mais prolífica estrela da França fala em inglês, no papel de uma viúva com segredos soturnos que podem ameaça a vida de uma jovem com quem ela trava uma amizade cheia de segundas intenções. 

“Gosto muito de diretores que dominam a técnica, mas que levam uma reflexão sobre a condição humana junto de suas cartilhas sobre enquadramentos, cortes, closes. Arte é um local de trabalho, de carpintaria, mas também de se espelhar inquietações que temos sobre nossas dúvidas, nossos desejos”, disse Isabelle ao JB no Festival de Berlim, em fevereiro, ao dar um balanço de sua troca com Jordan e avaliar seus diferentes compromissos com as câmeras este ano. “Eu filmo muito porque gosto de contar histórias e gosto do exercício de me adaptar a realidades diferentes da minha”. 

Ao mesmo tempo em que arruma tempo na agenda para Jordan e seu cinema de autor mais aberto a plateias GG, a atriz, nascida em Paris, há 65 anos, também valoriza experiência narrativas de quem tem um público PP, mas fiel, como o sul-coreano Hong Sang-soo. Ao lado dele, ela explora lados nada glamourosos de Cannes, terra do festival de cinema mais respeitado do mundo, de “A câmera de Claire”. 

Neste drama com tintas de semiologia, ligado à obra de Roland Barthes, o cineasta narra a relação que se estabelece entre Claire (Isabelle Huppert) e Jeon Manhee (Kim Minhee), duas mulheres em diferentes situações, que se conhecem por acaso e tornam-se amigas tendo a paixão pela fotografia como ímã. 

‘Arquitetura de investigação’ 

“O cinema busca o invisível, é uma arte dedicada àquilo que não está na nossa cara. A fotografia é que circunda o imóvel. Nunca encaro os filmes de uma maneira filosófica, cheia de digressões ou de reverência: eles representam para mim espaços de troca e de descoberta, com pessoas como Hong. O prazer que eu tenho de observar a visão de mundo dele e colaborar para que ela se estabeleça como narrativa cinematográfica é o que garante a qualidade do trabalho”, diz a atriz, que define o filme como “arquitetura de investigação”. “Existem questões de linguagem, mas eu estou ali como um corpo, como alguém carregado de subjetividade”. 

Em paralelo aos experimentos com Hong e o thriller com Jordan, Isabelle ainda vai atuar em inglês, sob a batuta de Ira Sachs (diretor do premiado “O amor é estranho”), no projeto “A family vacation”, com Marisa Tomei e Gregg Kinnear, num roteiro com a assinatura do brasileiro Maurício Zacharias. Mas também cabe em sua trajetória uma produção francesa mais feijão com arroz como “Eva”, do Benoît Jacquot (de “Adeus, minha rainha”) pelo qual ela concorreu ao Urso de Prata de Melhor Atriz em Berlim. 

A trama investiga a relação entre um dramaturgo (Gaspard Ulliel) e uma femme fatale duas décadas mais velha (e mais sábia) do que ele, a tal Eva (Isabelle), uma garota de programa cujo ar misterioso pode levar o rapaz à ruína. O enredo vem de um romance de James Hadley Chase, filmado em 1962 pelo cultuado cineasta Joseph Losey (1909-1984), a quem Jacquot presta homenagem a cada plano de sua nova produção, indicada ao Urso de Ouro. Na versão de Losey, Eva foi interpretada por um mito: Jeanne Moreau (1928-2017). 

“Benoît está mais interessado na essência do que nos corpos. Ele busca o que está por baixo de gestos aparentemente banais. Não enxergo Eva como a mulher fatal clássica. Ela é alguém atrás de meios para sobreviver”, diz Isabelle, declarando sua simpatia ao movimento #MeToo, que defende o pleito por maior respeito às mulheres no cinema. “Respeito é a gênese de tudo, na arte e na vida”. 

*Rodrigo Fonseca é roteirista e presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro