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Grande público terá acesso à obra do ator, autor e produtor Orlando Miranda

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Dois documentários e a fotobiografia “Memórias em cena” - que vai propiciar a digitalização de um valioso acervo pessoal para a história do Teatro Moderno no Brasil - oferecem ao grande público, em um futuro próximo, o acesso à obra do ator, autor e produtor carioca Orlando Miranda, que amanhece hoje com 85 anos de vida, dos quais 60 voltados para as artes cênicas em território nacional. Dono de trajetória única no setor, construiu seu legado perto de quem seus pares mais queriam distância, os generais da ditadura militar.

Orlando Miranda passou 11 anos como diretor do Serviço Nacional de Teatro (SNT), mais precisamente de 1974 (último ano do presidente Emílio Garrastazu Médici no poder; período considerado dos mais agudos na tortura e prisão dos opositores) a 1985, fim do governo Figueiredo, quando a abertura política começou a ser desenhada. Habilidoso como um diplomata, conseguia transitar e dialogar costurando acordos entre as partes. “A Fiorentina era nosso quartel-general. As decisões eram tomadas entre uma festa e outra. O pessoal tinha consciência de que se fazia necessário alguém de teatro para dialogar e me confiaram o posto”, lembra o articulador Orlando em sua casa, em Copacabana. 

Dentro do SNT, criou a Escola Nacional de Circo e o Instituto Nacional de Artes Cênicas (Inacen), fundou o Teatro de Arena da Guanabara, o Teatro Escola do Acre, foi presidente da Associação Carioca de Empresários Teatrais, a convite de Augusto Rodrigues, irmão de Nelson, assumiu a presidência da Escolinha de Arte do Brasil (EAB), que mantém há 25 anos, para citar algumas atividades. No final da próxima semana - a data está sendo definida -, a Funarte lançará um filme de 30 minutos, em que Orlando fala sobre tudo o que viveu e construiu. 

O que mais surpreendeu o diretor do filme, Pedro Paulo Malta, coordenador de Difusão e Pesquisa da Funarte, foi a vitalidade de Orlando ao narrar tantos fatos que cruzam a história política do país aos acontecimentos das artes cênicas nas últimas cinco décadas. “A sensação é de que parece que foi ontem que tudo aconteceu. O vídeo reúne as memórias dele, na voz dele, na primeira pessoa”, adianta. O material será disponibilizado na internet na página de vídeos do portal da Funarte (www.funarte. gov.br/videos) e na página da Funarte no YouTube (www.youtube.com/funarte).

O ator, diretor e produtor Roberto Bomtempo passou as últimas semanas no Teatro Princesa Isabel, no Leme, filmando entrevistas com gente como Ruth de Souza, Daniel Filho, Mauro Mendonça, Rosamaria Murtinho, Antonio Fagundes, Ittala Nandi e Íris Bruzzi para a série “Companhias do Teatro Brasileiro”, que totaliza 90 minutos, sobre as numerosas companhias estáveis de teatro do Rio e de São Paulo. O documentário de Bomtempo será exibido no Canal Curta! no segundo semestre. “Orlando foi o mestre de cerimônia. Todos os entrevistados estiveram com ele em algum momento da vida; é algo impressionante como ele cruzou a vida de várias gerações do teatro brasileiro. Finalmente, estou fazendo um documentário só sobre ele, como já vinha tentando há um ano. Venci a resistência dele”, conta Roberto.

Ele próprio tem sua história com Orlando. “Nossa amizade começou há 30 anos, quando eu sonhava em montar ‘Romeu e Julieta’, era muito jovem e ele era presidente do Inacen, que financiava montagem e oferecia a possibilidade de quitar em até dois anos. A montagem foi um fracasso, ficou dois meses em cartaz. Mas aquilo me causou encontros maravilhosos com o Orlando, que é bom de conversa e tem uma memória inacreditável”, completa o diretor. 

O filme vai se chamar “Orlando Miranda e o teatro brasileiro”. “Ele é, provavelmente, o dono do primeiro e único teatro de rua a sobreviver, e funcionar, com o mesmo dono por 54 anos consecutivos. Passo mal quando vejo um teatro como o Princesa Isabel mantido a duras penas. Na Europa, estaria funcionando belamente”, completa Roberto. Além do Teatro Princesa Isabel, no Leme, Orlando Miranda também foi proprietário durante anos de outra casa de espetáculos, o Teatro Galeria, no Flamengo, que funcionou do início dos anos 1980 a 2010, sob a sua administração e em parceria com Max Haus, sócio do antigo Teatro Casagrande, no Leblon.

À frente da Cia. Teatral do Teatro Princesa Isabel - que formou em sociedade com Pedro Veiga e Pernambuco de Oliveira - realizou mais de 40 peças para teatro infantil, adulto e de bonecos, como as premiadas “A revolta dos brinquedos”, de Pedro Veiga, “O avarento”, de Molière, com Procópio Ferreira como protagonista, “Roda viva”, de Chico Buarque, direção de Zé Celso Martinez Corrêa, “O botequim”, de Gianfrancesco Guarnieri, “Os pais abstratos”, de Pedro Bloch, com Glauce Rocha, Darlene Glória e Jorge Dória, “Tudo no escuro”, de Jô Soares, “Misto quente”, de Miéli e Bôscoli, dupla que também foi responsável por “Com açúcar e com afeto”, com Norma Benguell. 

A historiadora Isabel Miranda, filha de Orlando, batalha para publicar a fotobiografia “Memórias em cena”. “A história oral nos permite ter acesso a informações sobre passados recentes, pouco ou nada disponíveis, em outros tipos de fontes. Meu pai está completando 85 anos de vida e mais de 60 de teatro.

É dono de uma trajetória, no mínimo, contundente: esteve à frente, de forma pujante, do Serviço Nacional de Teatro (SNT), transformado em Instituto Nacional de Artes Cênicas (Inacen) e, depois, em Fundação Nacional de Artes Cênicas (Fundacen) por mais de uma década, que não foi uma década qualquer. Foram 11 anos de uma fase dificílima para a cultura brasileira quando, ainda que gestor público de um governo federal de um regime de exceção, defendeu vigorosamente os interesses da classe artística, demonstrando incontestável comprometimento com a democracia. Conviveu com nomes como Procópio Ferreira, Plínio Marcos, Paschoal Carlos Magno, Nelson Rodrigues, Gianfrancesco Guarnieri, entre outros da maior importância de nossa dramaturgia”, avalia.

Na formação do dossiê para comprovar junto a gerentes de patrocínio a importância de Orlando Miranda, Isabel reuniu depoimentos definitivos. “O que é um partido de esquerda ou de direita? O que são homens de esquerda ou de direita? Francamente, eu não sei, sei que tem homens. Homens? E Orlando Miranda é um desses fraternos que, nos tempos da ditadura, nunca vacilou em defesa da liberdade de expressão, mesmo botando seu cargo em risco”. 

Otávio Augusto, ator e ex-presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio de Janeiro (Sated), lembra que a regulamentação do registro profissional, o DRT, saiu graças a um tour de force que teve Orlando como estrategista. “A ideia inicial era formar algo como a ‘Ordem dos Artistas’, tipo OAB, que não fazia o menor sentido. Eu, no sindicato do Rio, e a Lélia Abramo, no de São Paulo, ajudamos a unificar o discurso. Orlando foi uma pessoa da maior importância para o pessoal de teatro, estava sempre ao lado da classe; nos colocava dentro do Teatro Princesa Isabel para escutar os pleitos e depois negociar. Pessoa sempre muito disponível, alegre, brigão no bom sentido e ajudou muita gente. Nunca fez por vaidade mas sim por atuação política”, argumenta Otávio. 

A atriz e jornalista gaúcha Ruth Mezeck, hoje com 80 anos, confirma. Atriz da Cia. do Teatro Princesa Isabel, entre uma montagem e outra ajudava na assessoria de imprensa do grupo. Quando Orlando foi para o SNT, levou-a junto. O dilema era deixar de interpretar e se tornar funcionária do setor de Comunicação. “Em 1973, um ano antes dele entrar no SNT, quando estava na direção da Associação Carioca de Empresários Teatrais, veio a Campanha das Kombis. Orlando sempre foi um empreendedor acima de tudo. São 85 anos de vida muito bem vividos e o Brasil tem muito a agradecer a ele”, afirma Ruth, acrescentando: “Foi o Zé Celso, quem teve de pedir asilo a Portugal, que me convenceu a acompanhar o Orlando no SNT. Depois, cheguei a fazer parte da equipe do primeiro-ministro da Cultura, o professor mineiro Aluísio Pimenta, que era chamado ‘ministro da broa de milho’”, lembra com bom humor. “A gente tem muito o que comemorar em torno do Orlando!”, exulta. 

A historiadora Isabel Miranda continua firme na briga para captar recursos. “Meu pai foi dirigente máximo do órgão cultural mais atuante do período da redemocratização e teve apoio maciço da categoria, em todo o país, ao mesmo tempo que era respeitado dentro do governo. Essa é uma história que precisa ser contada”, sentencia.