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Clássicos ‘menores’ da MPB são revisitados em programa de TV

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Se não é fácil apontar quem são os herdeiros dos expoentes mais célebres da MPB, como Chico e Caetano, o mesmo não pode ser dito de seus primos menos famosos. Para cada Jards Macalé, há um Negro Leo; para cada Walter Franco, uma Ava Rocha; se um dia Itamar Assumpção, Jorge Mautner e Sérgio Sampaio gravaram clássicos incontornáveis, hoje Emicida, Tulipa Ruiz e Baiana System estão no auge. O encontro entre as obras dessas gerações pode ser conferido semanalmente, a partir de amanhã (21), às 20h, no canal Curta!, na série “Os Ímpares”. A cada episódio, canções de álbuns clássicos menos lembrados da MPB são revisitadas por artistas que buscam carregar a tocha da inovação. 

Em comum entre as obras homenageadas, o fato de não terem alcançado notoriedade na época de seu lançamento (sobretudo os anos 1970, com licenças poéticas para discos da década anterior e da posterior), vindo a ser redescobertas na era da internet, primeiro via pirataria e, em seguida, graças a serviços de streaming. O programa é resultado de uma pesquisa de quase dois anos, que começou quando os diretores Isis Mello e Henrique Alqualo gravavam um DVD com Caetano e a Banda Cê. “Eles faziam releituras do ‘Transa’, e pensamos que seria legal um programa que atualizasse obras antigas”, diz Isis. Depois de convidarem o músico Berna Ceppas para a direção musical, optaram por escolher discos influentes, mas que costumam ser negligenciados pelo cânone. Em cada episódio, dois artistas interpretam duas músicas de cada álbum. No primeiro, Emicida e Pretinho da Serrinha cantam, respectivamente, “Kilariô” e “A vida em seus métodos diz calma”, do disco homônimo de Di Melo, de 1975. Em outros episódios, há, por exemplo, Criolo e Nação Zumbi revisitando músicas do álbum de estreia de Jards Macalé, de 1972; “Krishnanda”, de Pedro dos Santos, é gravado por Baiana System e Domenico Lancellotti; e Marku Ribas, por Teresa Cristina e BNegão. O programa acompanha todo o processo em estúdio, sendo que cada canção tomou apenas um dia. Quem selecionou as músicas foram os diretores, o que gerou encontros inesperados: alguns artistas não conheciam as obras que acabaram por homenagear. Este foi o caso de Teresa Cristina, que cantou “Tira-teima”, de Marku Ribas. 

“Fiquei muito emocionada ao conhecer este trabalho, e, ao mesmo tempo, meio envergonhada. Achei meio absurdo meu desconhecimento, como o samba é lindo! Quando ele morreu, houve grande comoção, mas achei meio cínico, como se o reconhecimento póstumo fosse maior que o em vida”, diz Teresa Cristina. Domenico Lancellotti, por sua vez, já conhecia o trabalho de Pedro dos Santos, de quem toca “Ritual negro”: “Sempre me interessou muito a visão dele de percussão, os instrumentos que inventa, as harmonizações que cria”, diz Lancellotti. “A princípio, não ia fazer nada harmônico, pois a gravação original é simples, com a linha de baixo, a melodia e o ritmo. Mas me ocorreu uma harmonia diferente e chamei os músicos Joana Queiroz e Bruno de Lulo, para fazer um som forte e peculiar. Acabamos misturando o timbre do clarone com o sintetizador, sempre num tom muito grave”. O resultado agradou a quem fez as obras anos atrás. 

Jards Macalé diz ter gostado muito das recriações de Criolo e Nação Zumbi, lembrando com carinho de seu álbum de estreia: “Esse disco foi fundamental para mim. Ele foi feito sob condições de improviso, mas com um amor muito grande. Tem registros maravilhosos do Lanny Gordin tocando violão e do Tuti Moreno tocando bateria. As versões atuais me deixaram muito feliz”, afirma o cantor, compositor e exímio violonista.

Ímpares, mas com semelhanças De acordo com os diretores, o nome do programa foi opção deliberada para fugir da pecha de “malditos”, que muitas vezes se tentou atribuir à geração em questão. “Para nós, ímpar é o que não tem par ou igual. São trabalhos único, diferentes, e isso é bom”, diz Isis Mello. Esta singularidade não significa, entretanto, que não haja semelhanças entre os artistas do passado escolhidos. Todos os álbuns foram feitos por homens, a despeito de uma notável produção feminina do período, do samba-rock de Geovana (de “Quem tem carinho me leva”) e Georgette (“A moça do mar”) à sofisticação vanguardista de Olivia Byington (“Corra o risco”) ou Maria Rita (“Brasileira”). Para compensar, “Os ímpares” demonstra atenção à representatividade quando se trata dos artistas contemporâneos, com notável equilíbrio de raça e gênero. Uma pergunta que resta é: quem seriam os nomes homenageados das temporadas seguintes?  

 O terreno a ser explorado é vasto, e inclui, entre tantos artistas, Taiguara, Nando Carneiro, Piry Reis e Cátia de França. Até onde vão os ímpares? “Gostaria muito de incluir um samba composto por mulher”, diz Isis. “E entrar no hip hop e no funk carioca. As pessoas se esquecem de que esta também é a MPB”.