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Tonico Pereira, o ?lósofo

Ator comemora 50 anos anos de carreira com a peça “O julgamento de Sócrates”, seu primeiro monólogo

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Um dos principais nomes da sua geração, com interpretações memoráveis em mais de cem atuações na TV, cinema e teatro, o ator Tonico Pereira veste-se de filosofia na vida e na cena para comemorar 50 anos de carreira em quase 70 de vida (o aniversário é em 22 de junho). No teatro, faz pela primeira vez um monólogo, sucesso de crítica e público, interpretando um dos fundadores da filosofia ocidental. “O julgamento de Sócrates” está em turnê por todo o país. Nos próximos fins de semana, as apresentações serão em São Paulo (Ubatuba, dias 21 e 22), Pará (Belém, 28 e 29) e, em maio, Santa Catarina (Florianópolis, 5 e 6), Minas Gerais (Festival Tiradentes em Cena, dia 9), Alagoas (Maceió, 12 e 13), Roraima (Boa Vista, 19) e Brasília (26 e 27). 

A peça é uma livre adaptação de “Apologia de Sócrates”, de Platão, por Ivan Fernandes, em forma de monólogo. Ivan e Tonico assinam a direção. A plateia é o tribunal popular a julgar Sócrates, que se defende das acusações sobre ter ideias diferentes do estabelecido pela sociedade e pela religião - como o livre pensamento e a busca pelo conhecimento -, corrompendo a juventude com essas ideias. A comédia filosófica dramatiza a defesa de Sócrates, no julgamento que o condenou à morte por envenenamento. A peça debate a liberdade de expressão e o pensamento no mundo contemporâneo. “Nosso Sócrates contextualiza o filósofo com a realidade política dos dias atuais. E não será o último a passar por esse julgamento”, reflete. 

Tonico queria ser advogado criminalista e, por isso, assistia a muitos julgamentos na juventude, em sua cidade natal, Campos dos Goytacazes. “Os advogados campistas eram muito bons e sempre me interessei pela capacidade dos mestres de construírem narrativas. O advogado Osvaldo Tavares era uma pessoa que bebia muito. Entrava com uma garrafinha de água mineral no júri, mas era cachaça. E ele também disputava campeonato de ioiô no programa do Sílvio Santos. Tudo o que vivi me deu a possibilidade de ser quem sou. Não gosto de compor personagens”, afirma. 

Na telona, Tonico Pereira atuou em “Vai trabalhar vagabundo”, de Hugo Carvana, “A hora marcada”, de Marcelo Taranto, “O coronel e o lobisomem”, de Maurício Farias, “Saneamento básico, o filme”, de Jorge Furtado, entre outros. Recebeu o Troféu Candango de Melhor Ator, no Festival de Brasília, por “O cego que gritava luz”, de João Batista de Andrade. Na TV, seu  mais recente trabalho foi o de Abel, na novela “A força do querer”, que lhe rendeu uma indicação ao prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Também na telinha. viveu por 13 anos o funcionário público Mendonça, amigo de Lineu (Marco Nanini), na série “A grande família” e se popularizou como o Zé Carneiro do “Sítio do Picapau Amarelo”, entre 1977 e 1985. 

Autoproclamado “um ator essencialmente brasileiro”, Tonico Pereira explica: “Não nasci à toa na zona de prostituição de Campos. Não renego os estudos, mas a luta pela sobrevivência veio em primeiro lugar, que é uma luta comum no Brasil. Foi a descoberta da propriedade que me modificou. Eu era criança quando fui acusado de roubar um gibi, que peguei para ler por acaso. Tomei noção de que existia propriedade ali naquele momento. Doeu, mas foi o que me fez definir a necessidade de custear o meu sustento. Comia muito bem arroz, feijão, ovo, farinha e pimenta”, destaca com sua verve sempre pronta para longos discursos.

Tonico quase foi jogador de futebol. Quando veio morar no Rio, porém, tudo mudou. “O marido da minha prima era do Diretório Acadêmico da Faculdade de Letras na Universidade Federal Fluminense e me chamou para fazer um trabalho. A libido falou mais alto. Era 1968 e preferi ficar nos camarins com as mulheres do que nos campos de futebol”. Indagado se uma declaração como essa poderia, na atualidade, ser encarada como “politicamente incorreta” diz não saber. “O que transforma um gesto em assédio, eu não sei. Também fui assediado tanto por homens como por mulheres. Era adolescente quando escapei de dois caras que tentaram me pegar à força. Corri muito, meu apelido era Vaca Brava”, segreda. Casado com a bailarina Marina Salomon há 14 anos, com quem tem gêmeos, também é pai de duas fi lhas, já adultas. 

‘Não sou artista’ - Dia desses, num aeroporto, uma fã disparou para Tonico que “ele era tão simpático que nem parecia artista”. É a deixa para ele falar sobre a polêmica em torno do fi m da regulamentação do registro profissional. “Eu sou ator, não sou artista de forma alguma. Sou um trabalhador, pago imposto”, protesta. Paralelamente ao teatro, está nas comédias “Crô em família”, em que interpreta o pai de Marcelo Serrado, e “O pulo do gato”,  primeiro filme roteirizado por Marcelo Adnet. Tonico define-se como “ator de aluguel”, conta sem pudor que usa ponto e não decora textos, não lê roteiro e decide seus trabalhos de forma simples: “Se não tiver cena de altura ou de ter que nadar no mar eu aceito”. Para quem tenta entendê-lo despista:   “Eu não sei me explicar muito bem não, a não ser na coisa prática, se isso é filosofia não sei. É minha angústia que me leva a atuar”, finaliza. 

Na última semana, fez uma visita à nova sede do JB: “O novo Jornal do Brasil se tornou uma leitura obrigatória para mim. Quando foi lançado, tive uma expectativa enorme, que foi plenamente atendida”, elogia.