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União pela sobrevivência do jongo

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Fortes depoimentos permearam a festa de reabertura da Casa do Jongo ontem na Serrinha, em Madureira. Entre as centenas de pessoas que compareceram, alguns pegaram o microfone para ressaltar a importância sociocultural do local e da luta diária das comunidades. “Uma Casa do Jongo da Serrinha fechada significa uma chacina a mais”, disse Dario Firmino, da Cia de Aruanda.  “A cultura ocidental não nos acolhe, o governo não nos representa”, afirmou Wanda Araújo, frequentadora e amiga da Casa. 

O espaço se mantinha com parcerias e fomentos provenientes dos editais lançados pela prefeitura até 2016 e, ao assumir em 2017, o prefeito Marcelo Crivella suspendeu o pagamento de recursos já editados, reduzindo a verba para novos editais. Em janeiro, depois de um protesto na Cinelândia contra o fechamento da casa, a secretária Nilcemar argumentou que não ajudava em nada acusar a prefeitura de ser contra a matriz africana e que as pessoas estariam criando factoides. 

Fechado desde dezembro por falta de verbas, o espaço volta a funcionar a partir de terça-feira, atendendo a crianças e jovens da comunidade com aulas de dança,  capoeira, percussão afro e de samba, inglês, reforço escolar, teatro e recreação.  “Os professores são todos voluntários pois continuamos sem patrocínio, apenas com os incentivos fiscais da lei do ISS (Imposto sobre Serviços), que devem durar, no máximo, quatro meses”, conta a coordenadora Suellen Tavares. 

A festa de reabertura começou com um cortejo pela Rua Compositor Silas de Oliveira com a participação de vários coletivos ligados à cultura afro-brasileira. Cordão do Boitatá, Filhos de Gandhi, Bloco Lemi Ayô, Herdeiros do Morro da Serrinha, Capoeira Vera Cruz e Cia de Aruanda foram alguns dos participantes não só da festa mas que também se comprometeram a se envolver pela sobrevivência da casa. “Meu avô era jongueiro, eu sou jongueiro e, mesmo tendo saído do bairro para criar outros trabalhos - a Cia de Aruanda e o Terreiro Onixegum em Guapimirim - me senti na obrigação de participar dessa volta. São iniciativas que podemos ter para diminuir a violência”, diz o babalorixá Dario Firmino, que será parceiro na gestão da casa. “Juntos somos mais fortes! Isso aqui é uma composição de amigos, um procurando fortalecer o trabalho do outro. Fechamos sem recursos, estamos reabrindo da mesma forma, mas os recursos humanos estão aqui! O funcionamento da Casa do Jongo é uma questão política pois são crianças, jovens e idosos que precisam de apoio”, afirma Wanda Araújo.    

Era fácil - e emocionante - sentir esse clima de união e esperança das pessoas dos coletivos, moradores da comunidade e admiradores do jongo durante a festa. “Temos total identificação com o Jongo da Serrinha pois também fazemos um trabalho não só de entretenimento mas de educação, desmitificando nossa cultura e religião”, diz Yza Diordi, professora de dança da Dandalua Danças Populares, de Irajá, e rainha do Afoxé Filhos de Gandhi, com sede no Centro.   

Matriarca do jongo 

Sentada ao lado de um dos mais ilustres convidados da festa, Nelson Sargento, a matriarca do Jongo da Serrinha, Tia Maria assistia às rodas dos brincantes. Ela estava feliz ao ver que o Jongo da Serrinha,  do qual é uma das mais antigas integrantes, está mais vivo que nunca, apesar de todas as adversidades. “Ver uma dessas crianças pegando um violão para tocar é de uma alegria sem tamanho. Tudo que a gente faz aqui é para o bem, pensando nelas. É um grande erro das autoridades não nos darem condições de fazer esse trabalho”, manda o recado. Aos 97 anos, com uma energia e vitalidade inacreditáveis, Tia Maria só se chateia um pouco ao contar que, depois de passar a vida toda morando na Serrinha, vai se mudar para Bangu para ficar perto do filho. “Nasci, fui criada e me casei na (rua) Balaiada. Infelizmente a idade já não me permite continuar lá, ando sentindo dores nas pernas. Aí fico pensando como vou sentir falta da minha casa, minhas plantas...”, lamenta.           

Se depender da energia e comprometimento das pessoas que participaram da festa de reabertura, Tia Maria, mesmo de Bangu, só terá alegrias. Porém, entraves políticos têm atrapalhado muito o trabalho da Casa do Jongo, que faz parte da ONG Jongo da Serrinha. “Este lugar (a sede atual da Rua Compositor Silas de Oliveira, 101) estava abandonado e a Prefeitura, na gestão Eduardo Paes, comprou o imóvel, fez as obras e nos cedeu por 12 anos. Só que não deu tempo de acertarmos o contrato antes de sua saída e o novo governo argumentou que o documento não era válido”, conta Suellen. A coordenadora diz que perdeu as contas das idas e vindas à prefeitura para conversas com a Secretária de Cultura Nilcemar Nogueira. “Ela foi taxativa ao dizer que não tinha dinheiro. Para não deixarmos a qualidade de nosso trabalho cair, ano passado começamos a pensar na possibilidade de fechar a casa. Tentamos arrecadar dinheiro com a benfeitoria, mas não foi o suficiente e, infelizmente, encerramos as atividades em meados de dezembro”, relata.    

Segundo Suellen, o diálogo entre a Casa do Jongo e a Prefeitura está, pelo menos por ora, rompido. “Eu fui criada aqui, fiz cursos desde criança, dei aula, hoje faço parte da coordenação e sei do trabalho social que a Casa é capaz de fazer. Nós atendíamos 400 crianças e esperamos voltar a esse número. Continuamos com a campanha da benfeitoria (www.benfeitoria.com/casadojongo) e abertos para receber voluntários”, avisa.

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HISTÓRIA

Da África para a Serrinha

A origem do Jongo data da chegada no Brasil dos negros bantos escravizados que vieram do Congo e de Angola. Depois de libertos, muitos que trabalhavam na lavoura em Minas Gerais vieram para o Rio de Janeiro e se instalaram no Morro da Serrinha. Lá, gostavam de dançar o Jongo, que é uma combinação de canto, de dança e de religiosidade. 

Com o risco de desaparecer - pela tradição só podia ser dançado por idosos - Mestre Darcy, com a mãe Vó Maria Joana (1902-1986), criaram, nos anos 1960, o Jongo da Serrinha, que uniu várias jongueiras e permitiu que a música e a dança, até então restrita aos quintais, chegassem aos palcos além da Serrinha. Maria de Lourdes Mendes, a Tia Maria,  filha de músicos vindos de Minas Gerais para a Zona Norte e moradora da comunidade, ajudou a criar o grupo. Hoje ela é uma das mais antigas integrantes do grupo que, em 2000, se tornou ONG, depois associação para, no ano seguinte, virar Escola de Jongo. Em 2005, o Jongo foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e, em novembro de 2016, foi criada a Casa do Jongo.