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‘Grande Sertão: Veredas’ em reta ?nal no CCBB

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A adaptação de “Grande Sertão: Veredas” para o teatro, feita por Bia Lessa, é um trabalho de rara beleza. A peça segue à risca o enredo de amor reprimido e batalhas sangrentas, revelados numa linguagem que se reinventa a cada frase, e os ambientes de sombras que se iluminam na obra-prima de Guimarães Rosa. 

O romance conta a história do jagunço Riobaldo (Caio Blat), que atravessa o sertão no encalço do inimigo, Hermógenes (Leon Góes), e o seu desejo interditado por um companheiro de bando, que, ao final, se revela mulher, e se chama Diadorim (Luíza Lemmertz). Uma dúvida metafísica atormenta o narrador e transpassa toda a narrativa - a existência ou não do diabo.

Pela dimensão desta obra do escritor mineiro - o romance tem cerca de 600 páginas, escrito numa linguagem inventiva, fora dos padrões estabelecidos - percebe-se o grau de dificuldade que teve a diretora para encená-la. Contudo, a montagem de Bia Lessa mantém-se fiel ao enredo, à sua linguagem criativa, e alcança múltiplos objetivos.

Bia Lessa encontrou uma forma original de encenar “Grande Sertão: Veredas”, com figurinos e materiais cenográficos simples. O espetáculo não se passa em um teatro convencional, mas na rotunda do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde foram erguidas duas arquibancadas para abrigar o público. 

Grande quantidade de bonecos de feltro podem ser vistos nos espaços, por onde as pessoas circulam livremente, fora dos horários do espetáculo. Na peça, ganham as mais distintas formas, o que se observa também entre os personagens em cena. São seres humanos que se tornam bichos, pássaros, rios, ventos. 

A epígrafe do livro - “O diabo na rua, no meio do redemoinho...” - sugere que tal entidade ronda aquelas páginas e povoa o imaginário do narrador. De fato, Riobaldo não esquece esse tema, enquanto conta a um interlocutor que não toma parte na história, os acontecimentos da sua vida quando ainda era um fora da lei. O livro não se divide em capítulos, o tempo da narrativa é recorrente, segue e retorna. Enquanto Riobaldo conta, ao acaso, os seus feitos, passado e presente se misturam. 

Sobre a encenação do romance de Guimarães Rosa, a diretora observa que, para enfrentar as complexas questões propostas pelo autor, tanto do ponto de vista metafísico, como do ponto de vista formal, ela teve que se organizar e estruturar para se dedicar a essa tarefa.

 Na peça, os atores permanecem em cena todo o tempo. E se entregam de corpo e alma aos seus personagens. Caio Blat encarna Riobaldo de forma memorável, sem brechas, em uma inesgotável quantidade de falas. O ator protagoniza uma forte cena de sexo, com Luísa Arraes, que, na peça, se desdobra em vários personagens. 

Bia Lessa observa no texto de encarte que eles se transformam “diante do espectador, sem truques, sem artifícios, usufruindo das possibilidades ilimitadas que o teatro nos oferece.”

 Em vez da adaptação, Bia Lessa definiu a sua montagem como uma “transposição”, que reproduz as palavras de Guimarães Rosa. É natural, em casos como este, que os espectadores comparem a peça teatral com o romance. É mesmo lugar-comum comentários tais como: “Gostei mais do romance do que da peça”, ou vice-versa. Mas devemos atentar para o fato de que são criações artísticas que fazem uso de linguagens distintas. 

Na leitura de um romance, os leitores formam imagens mentais dos personagens e dos ambientes descritos. No teatro, os personagens são representados por atores. Eles estão ali, diante do público, a cada noite.  E este ato se encaixa à perfeição aos dizeres de Guimarães Rosa sobre a vida: “Viver é muito perigoso...”

Sobre Guimarães Rosa 

Escritor e diplomata, Guimarães Rosa (1908-1967)  nasceu em Cordisburgo, Minas Gerais. Eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1963, só tomou posse em 16 de novembro 1967, três dias antes da sua morte. No seu discurso de posse na ABL proferiu a seguinte frase: “A gente morre é para provar que viveu.”  O mundo das letras ainda busca o seu significado. 

Serviço

Grande Sertão Veredas 

Concepção, direção geral e adaptação: Bia Lessa

Texto: Guimarães Rosa 

Com Caio Blat, Luiza Lemmertz, Luísa Arraes, Leonardo Miggiorin, Leon Góes, Balbino de Paula, Daniel Passi, Elias de Castro, Lucas Oranmian e Clara Lessa

Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) (Rua Primeiro de Março, 66- Centro; Tel. 3808-2020)

 De quarta a domingo, às 21h 

Duração: 140 minutos 

Capacidade: 172 espectadores Classi?cação: 18 anos Ingressos: R$ 20 e R$ 10

*Jornalista, escritor, autor do romance O ?lósofo do deserto (Multifoco, 2017)