ASSINE
search button

Radicado em NY, compositor carioca transforma em música poemas de autor americano

Compartilhar

A poesia e a música estão de mãos dadas. Notando isso, o compositor Vinicius Castro resolveu musicar, arranjar e produzir nove poemas do americano Patrick Phillips. O álbum chamado “Broken Machine Project” traz canções de rock, folk e jazz com um toque da musicalidade brasileira, e conta com a participação de nove cantores da cena independente de Nova York. O trabalho encontra-se disponível nas principais plataformas de música digital.

Antes de se tornar música, os poemas habitavam as páginas dos livros “Boy” (2008) e do finalista do National Book Award “Elegy for a Broken Machine” (2015). Mas tornaram-se concretos para Vinicius Castro quando, por acaso em um metrô de NY, ele descobriu o poema “Heaven”, em uma série chamada “Poetry in Motion” (Poesia em Movimento, em tradução livre), que espalha inúmeras poesias pelos vagões dos metrôs novaiorquinos.

“Eu li essa poema e achei muito bonito. Ele falava do céu no sentido de paraíso não como um lugar, mas como um tempo”, explica Vinicius. “Eu tirei uma foto e postei no Facebook, falando que era a definição mais bonita que tinha lido. E minha sogra comentou que achou muito legal e que daria uma boa música. E eu pensei: é, vou musicar esse poema”, revela.

Forte na tradição da poesia latino-americana, o ato de musicar um poema não é comum na cultura americana. Enquanto vemos Manuel Bandeira recriado por Secos e Molhados, Torquato Neto na voz de Gil ou Caetano e João Cabral de Melo Neto recriados por Chico Buarque, o projeto de Vinicius foi visto como inovador por seus parceiros. O “Broken Machine Project” é a união da essência estética dos versos de Patrick Phillips, íntimos e focados na esfera familiar, com a pesquisa sobre a musicalidade americana, realizada por Castro.

“Poesia é uma forma de arte solitária. Só acontece quando estou sozinho. Então ter essa sensação de colaboração, que o que faço foi o combustível para a criação de outros artistas é incrível. Me faz sentir muito menos solitário na arte”, conta Patrick Phillips. “Isso é algo que sempre invejei em músicos: vê-los juntos e imaginar como seria legal fazer o que faço na companhia de amigos”.

Muito mais do que apenas musicar poemas, um dos objetivos do projeto é refletir a música americana. Talvez por isso as canções tenham sido gravadas gravadas inteiramente nos apartamentos dos músicos novaiorquinos. Vinicius Castro levou seu estúdio móvel para porões, quartos e áticos no Brooklyn, Bronx e Queens, usando o metrô de NY, claro. Por mais poético que soe esse modo DIY de gravar um álbum, Vinicius Castro conta sobre as dificuldades que encontrou pelos trilhos:

“Já tentou subir e descer as escadas do metrô carregando quilos de equipamento? (risos) A outra dificuldade foi gravar em ambientes que não são tratados acusticamente numa cidade tão barulhenta quanto NY. Mas fiquei muito feliz que o resultado tenha sido tão bacana e que ter tido o processo de gravação na casa dos instrumentistas tenha trazido esse clima intimista para o disco”, conta.

Artista multifacetado, Vinicius não é estreante neste tipo de iniciativa. Após seu primeiro disco, “Jogo de Palavras” (2010), ele trabalhou no projeto de home studio e vários intérpretes Som na Sala durante todo o ano de 2012. Na ocasião, musicou o “Soneto XXV”, de Pablo Neruda, que chegou a ser regravado no disco “Flor”, de Daíra Saboia. Ele também transformou em canção o poema “A criança que ri na rua”, de Fernando Pessoa, presente no EP “Prematura”, de Taiana Machado. Com o grupo CRIA, seu projeto de música infantil, lançou “A Família” (2013), e foi indicado para o Prêmio da Música Brasileira.

Já o homenageado, o poeta americano Patrick Phillips, é conhecido por sua habilidade em contar histórias sobre a complexa dinâmica dos relacionamentos familiares. Durante sua carreira, a sua obra recebeu prêmios como a Fullbright Fellowship da Universidade de Copenhagen (2010), Kate Tufts Discovery Awards (2005) pelo seu primeiro livro “Chattahoochee” (2004), National Endowment for the Arts Fellowship (2009), e a Guggenheim Fellowship pelo seu último livro “Elegy for A Broken Machine”. E entre os poemas que foram selecionados para o projeto, “The Guitar” recebeu o Lyric Poetry Award da Poetry Society of America; enquanto o “Spell Against Gods” recebeu o 2011 Pushcart Prize.

As canções, como os poemas, trazem reflexões sobre a vida e suas diferentes facetas. Abrindo o disco, a “Spell Agains Gods” é uma espécie de oração ateia, em que deuses oram para os humanos. Dessa forma, o rock vintage aparece acompanhado do órgão hammond de Eric Finland, a guitarra de Justin Mayfield e a voz de Lucia Stavros. Já em “The Singing”, a atmosfera suaviza ao falar sobre uma mãe que nina o seu filho. A interpretação é de Ian Wexelbaum, que também é o baixista da faixa.

O jazz surge na música “Old Song”, em que o trompete de Alex Nguyen se une ao contrabaixo do brasileiro Eduardo Belo e flerta com a voz de Julie Hill. Enquanto o poema do velho violão arranhado, que questiona a noção da eternidade, “The Guitar”, é interpretado por Benji Kaplan, em um folk arranjado com um violão e quarteto de cordas. O rock reaparece na canção “Elegy after midnight”, que conta com uma bateria pesada, baixo e guitarras distocidas, a tabla de Jonathan Singer, e a voz de  Katie Louchheim.

Um piano quebrado encontrado na rua ganhou poema de Patrick Phillips e agora se transforma na música “Piano”, acompanhado do virtuosismo de Devon Yesberger no instrumento-título, e a voz de Krithi Rao. O folk se une ao pop na faixa “Everything”, com acordeon do brasileiro Vitor Gonçalves, e cantada por Kyla Quinn, que dá novas cores ao cantar sobre a guerra civil americana. O pop permanece na próxima canção, “Falling”, que descreve paixões que surgem e desaparecem no metrô de NY, com voz de Aaron David Gleason.