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Sapphire e Lívia Natália versam sobre o lugar de fala da mulher negra na literatura

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Entre a prosa e a poesia está a universalidade da literatura. Dos Estados Unidos, Sapphire, autora do premiado romance Preciosa. Da Bahia, Lívia Natália, poeta que escreveu Águas. O encontro entre as duas aconteceu ontem (17), em mesa literária na Flica 2015 que teve mediação do jornalista Mário Mendes, tratando do lugar de fala da mulher negra na literatura.

Apesar de resistente a rótulos, Lívia Natália afirmou que sua obra transporta o lugar de onde ela fala: mulher, nordestina e negra. Sapphire foi além: “Uma mulher branca, ao escrever sobre o amor, dificilmente terá o drama das muitas mulheres negras que perderam seus namorados assassinados por policiais, apenas por serem negros. Quem somos e de onde falamos interfere no que se escreve”, exemplificou.

O bate-papo alcançou o feminismo e, aqui, encontrou divergência entre as autoras. Para Lívia, o movimento em sua universalidade não a abriga, uma vez que os efeitos do machismo sobre a mulher negra são diferentes, em certos aspectos, dos efeitos que têm sobre as demais mulheres. "Afinal, estamos falando de um corpo que foi escravizado. Não existe um feminismo único que dê conta de todas as mulheres de maneira igualitária. Pensar assim não diminui a importância do movimento, pelo contrário, o potencializa", afirmou.

Ativista do movimento desde a década de 80, Sapphire foi enfática ao afirmar ser feminista. Para a norte-americana, a militância é importante na medida em que mesmo os movimentos pró-negros trouxeram opressão às mulheres. “Penso o meu feminismo a partir das demandas da minha raça, não há outra maneira de ser. Porque se o machismo existe dentro da militância negra, o racismo também existe dentro da militância feminista. Assim, a minha voz como mulher negra tem de estar nesses dois espaços”, declarou.

Entre leituras dos poemas da autora baiana, Sapphire foi questionada sobre a linguagem utilizada em Preciosa. A autora então explicou que precisava escrever a partir do ponto de vista de Precious Jones, uma jovem analfabeta, estuprada pelo pai e grávida do segundo filho deste. A realidade da protagonista não permitia uma linguagem florida. A rudez das falas e da narrativa representa o universo da protagonista. “Eu quero mostrar os problemas sérios que essas personagens sofreram de forma realista, mas nunca de um ponto de vista vitimizante. Eu não tenho pena dessas personagens. Quero que as pessoas leiam e admirem-nas, inspirando-se a superarem as adversidades da vida”, explicou.

Presente na obra das duas autoras, a questão de gênero veio à baila. Em seu novo livro, O Garoto, Sapphire narra a história de Abdul, filho de Precious, abusado sexualmente na infância por um padre e com dúvidas sobre sua sexualidade. Lívia, por sua vez, escreveu uma coleção de poemas homoafetivos como cartas de amor de mulheres para mulheres. “Todos esses assuntos têm de vir à tona para o debate e quebra de paradigmas: racismo, misoginia, HIV, homossexualidade. E alcançar a todos”, concluiu Sapphire. 

“A homossexualidade era vista como doença até o final do século XX. Durante séculos, os negros foram classificados como sem-alma. As mulheres ainda são vistas como inferiores. Negros, mulheres, homossexuais e todas as minorias devem se apossar da palavra para que não os matem física e simbolicamente”, concluiu Lívia Natália. Ao término da mesa literária, as autoras seguiram para a sessão de autógrafos. Sapphire autografou seu novo romance O garoto, pela editora Record, e Lívia Natália seu novo livro Correntezas, pela Editora Ogums Toques Negros.

O Governo do Estado da Bahia apresenta a Flica 2015 e o projeto tem patrocínio da Coelba, da Oi e do Governo do Estado, através do Fazcultura, Secretaria da Fazenda e Secretaria de Cultura do Estado da Bahia e apoio cultural da Oi Futuro, da Prefeitura Municipal de Cachoeira, do Sebrae, da Odebrecht e da Caixa Econômica Federal. Um evento realizado pela iContent e Cali.