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Leonardo Padura fala sobre relação entre política e literatura na Flip

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No futuro, se alguém ler os jornais atuais de Cuba e os livros, vai pensar que existiam dois países diferentes. A afirmação é do escritor cubano Leonardo Padura, autor de O homem que Amava os Cachorros e de romances policiais que tem como personagem central o detetive Mario Conde. Sua obra espelha o desalento da vida cubana nos anos 80 e 90, quando o país vivia sob o embargo econômico imposto pelos Estados Unidos e não tinha mais o suporte socialista com o fim da União Soviética.

Padura é uma das principais atrações da 13ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) e conversou hoje (2) com a imprensa. Ele ressaltou que a principal responsabilidade de um escritor é com a literatura, “que é o seu trabalho, porque se não fizer bem o seu trabalho, todas as outras intenções fracassam”. Porém, segundo o cubano, os escritores têm também a responsabilidade adicional de descrever a visão que têm da vida cotidiana.

“Há toda uma situação da vida cubana que não sai nos jornais, que não aparece na versão oficial do governo, tem um estilo de vida que é preservado”, disse acrescentando que no futuro, se alguém ler os jornais e ler as minhas novelas vai dizer que são dois países diferentes. Posso dizer que o país das minhas novelas se parece mais com o país real. Devo servir como intérprete de Cuba e como testemunha da verdade e no final de tudo isso criar a memória que vai perdurar até o futuro.

O escritor destaca que nunca sofreu censura e que publica seus livros com uma editora da Espanha, mas que as obras chegam em Cuba sem nenhuma modificação. “Sou um escritor que pode desfrutar de uma grande liberdade escrevendo dentro de Cuba. Tenho certa liberdade criativa, porque publico com uma editora espanhola, o texto sai do meu computador e nenhuma instituição cubana ou instância me afeta.”  Segundo Leonardo Padura, o problema também é que não se pode importar livros que são publicados em outros locais, como Espanha, México, porque eles custam o salário de um mês de um cubano.

Padura disse que não tem conhecimento profundo sobre a literatura brasileira, mas leu clássicos de Machado de Assis e Aluísio de Azevedo na universidade. Ele citou uma relação intensa entre o povo cubano e a Bahia retratada por Jorge Amado e destacou o livro Agosto, de Rubem Fonseca, que, assim como sua própria obra, traz questões políticas como pano de fundo para um romance policial.

Sobre a análise de sua obra, vista dentro de Cuba como contrária ao regime e fora do país como de apoio, Padura afirma que a interpretação muitas vezes depende de quem lê, que busca no trabalho do cubano a reafirmação de preconceitos ou militâncias a favor ou contrários ao país caribenho, o que ocorre inclusive com entrevistas que concede.

“Fico triste quando alguns jornalistas não usam a ética da profissão e deturpam as minhas palavras, publicam coisas que eu não disse, coisas que nunca tinha pensado. Tenho que confiar que existe uma ética com a pessoa que te dá entrevista, mas usam as minhas palavras de forma política. Quando isso acontece me sinto violentado,” acrescentou.

Quanto ao acordo firmado ontem entre EUA e Cuba para a reabertura de embaixadas, Padura se disse otimista com a notícia, mas pediu para não serem feitas perguntas a respeito, já que tinha “esquecido a bola de cristal” e não é político, sociólogo e nem adivinho".

“Eu não estava em Havana do lado de Raúl Castro, não estava em Washington ao lado de Obama, tampouco estava na minha casa em Cuba, então tudo que sei é o que vocês sabem. Tenho opinião, mas não informação de como chegou a esse ponto. Me parece muito importante, porque tem dois elementos que são muito visíveis: primeiro o caráter simbólico de que vai ter uma bandeira norte-americana em Cuba onde antes havia dizeres contra o imperialismo,” disse.

O escritor explicou que imagina que agora vai ter jornalistas do mundo todo, visitantes. Eu nunca na minha vida pensei em ver isso, é muito importante. Por outro lado acho que com esse acordo entre Cuba e os Estados Unidos, o presidente Obama está dando um exemplo ao mundo, que precisa muito de diálogos.

Padura participa da mesa De Frente para o Crime, no domingo (5) ao meio-dia, ao lado da escritora inglesa Sophie Hannah, escolhida pelos herdeiros de Aghata Christie para dar continuidade às aventuras do célebre detetive belga Hercule Poirot, imortalizado pela dama do crime.