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Vocal do Sepultura lança CD eletrônico: "metaleiros estão tolerantes"  

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É difícil imaginar o vocal de Derrick Green sem os urros que o levaram ao posto de frontman do Sepultura mais de 15 anos atrás. Mas ele existe. Aos 42 anos, o cantor natural de Cleveland, Ohio, se envolve pela primeira vez em um projeto paralelo distante de seu trabalho com Andreas Kisser e companhia. E bota distante nisso.

No lugar das distorções das guitarras e dos pedais duplos, batidas eletrônicas e melodias leves e dançantes, misturando pop, funk, hip-hop e outros estilos que devem fazer o clássico metaleiro intolerante torcer o nariz.

"Não ligo para o que as pessoas vão pensar", diz, bem-humorado, Green em entrevista exclusiva ao Terra para promover o Maximum Hedrum, nome do projeto capitaneado pelo renomado DJ norte-americano Sam Spiegel, cujo disco de estreia é lançado nesta terça-feira (19) em versão física e para download. "Ao mesmo tempo, eu costumava pensar que havia um grande preconceito no heavy metal. Lembro que, quando eu era mais novo, era metal ou metal, não tinha um meio-termo. Mas tenho descoberto que os fãs do estilo estão mais abertos do que eu pensava, se tornaram mais tolerantes."

O assunto é inevitável em se tratando do estilo. As bandas de música pesada que procuraram misturar metal com eletrônico, rotuladas de metal industrial, são até hoje desprezadas pelos fãs tradicionais do gênero. Aqueles que, com anos de bagagem nas costas, resolveram se arriscar e apostar em uma abordagem diferente para sua música, acabaram achincalhados por seus mais fanáticos admiradores.

O caso recente mais notório do tipo ocorreu em meados da década de 1990, passado distante que ilustra o quão tabu é essa ecleticidade entre os metaleiros. Em 1996, Rob Halford, apelidado de "Metal God" nos anos em que liderou a clássica banda britânica Judas Priest, lançou, pela gravadora de Trent Reznor, o 2wo, projeto responsável por deixar seu nome manchado durante anos - algo que só mudou quando o cantor se redimiu com seu primeiro álbum solo, Ressurection, cujo próprio título remete à opinião intolerante do público em relação ao músico devido ao projeto anterior, que só poderia mudar com uma "ressureição". 

"Pode soar um pouco rebelde da minha parte, mas eu queria fazer o melhor possível em uma área diferente. Sou músico, essa é a minha vida, então mudar, tentar algo novo, é sempre ótimo. Quando gravo com o Sepultura já tenho muitas ideias diferentes, mas é um outro estilo. Eu queria uma abordagem totalmente nova para meus vocais", se justifica Green. "Mas, sinceramente, não sei o que esperar dos fãs do Sepultura, até porque eles são muitos, com opiniões e gostos diferentes. Eles são, sim, apaixonados pela música pesada, mas muitos também podem ser mais abertos em relação a outros gêneros musicais."

Sem ter por enquanto a resposta dos fãs, Green só pode avaliar por si o resultado final do Maximum Hedrum. "Foi a primeira vez que gravei algo assim e foi justamente essa oportunidade que me intrigou. São tantos anos de carreira, na estrada, gravando discos com o Sepultura, e, na verdade, eu nunca tinha feito nada diferente, muito menos algo parecido com isso. E estou muito satisfeito, feliz com o resultado. Comecei a cantar ainda criança, em corais na escola, e sempre quis mostrar esse meu lado vocal. Algo que vá além daquilo que as pessoas esperam de mim."  

Dependência tecnológica

O Maximum Hedrum surgiu a partir de um conceito que há muito o DJ Sam Spiegel planejava abraçar. Fascinado com a tecnologia cada vez mais presente no mundo contemporâneo, o músico resolveu abordá-la de forma que a temática e a música se completassem, trazendo uma crítica contundente à forma como a maioria das pessoas têm lidado com ela. "O mais incrível, que acabou se tornando nosso foco principal, é como ficamos cada vez mais isolados com a tecnologia", explica ao Terra.

Foi essa noção sobre os tempos atuais, aliada ao mútuo interesse em se diversificarem musicalmente, que levou dois sujeitos de estilos tão distantes a se juntarem no mesmo projeto. O Maximum Hedrum nasceu de pequenos ensaios entre Spiegel e Green feitos em um estúdio na cidade de São Paulo. E logo a dupla percebeu que tinha algo relevante em mãos. 

"Foi natural. Derrick é um velho amigo, fizemos umas jams e eu logo vi que ele era o cara certo para o trabalho. E eu realmente esperava de tudo, afinal o Derrick é um vocalista muito bom, com uma voz de extrema potência e surpreendentemente eclética", prossegue o DJ, que já trabalhou com conhecidos nomes da música como o Yeah Yeah Yeahs, Maroon 5 e George Clinton - este último convidado especial na faixa Keep in Touch. Entre as influências claras no disco de estreia da dupla se destacam o funk, a dance music, o R and B e, claro, o rock.

"Sempre gostei de música eletrônica, pois é um estilo muito abrangente, que possibilita ao músico caminhar para muitas direções, sem abandonar sua essência", surpreende Green, cuja carreira é inteiramente pautada em gêneros raivosos como o thrash metal e o hard core.

"Mas nada supera a importância crítica que envolve o Maximum. Isso porque existe um grande vazio nesta realidade em que vivemos. Ao mesmo tempo em que as pessoas reencontram pessoas antigas, têm milhares de "amigos" em suas redes sociais, elas parecem cada vez mais desconectadas do mundo real. Você está andando e vê gente sempre olhando para baixo, mexendo em seus celulares, acessando a internet, dependendendo de seus computadores. E, no entanto, não há uma conexão realmente humana em tudo isso. A tecnologia é positiva, mas esse lado é a parte negra dela. E acho que isso veio para ficar, não vai mudar no futuro."

E se alguém pensa ser este um projeto pontual, limitado a seu inesperado álbum de estreia, pode tirar o cavalinho da chuva. Além de planejar uma turnê, vista por Spiegel como necessária para as pessoas compreenderem de forma correta o conteúdo do trabalho, a dupla pretende continuar gravando discos, inserindo, assim, cada vez mais elementos de estilos variados na verve crítica do Maximum.

Para isso, Green e Spiegel ainda contam com a ajuda do experiente baterista Alfredo Ortiz, calcado em vasta experiência em turnês com o Beastie Boys e estudos de percussão oriental, responsáveis por trazer ainda mais diversidade às canções da dupla. 

"Definitivamente, para o próximo álbum conseguiremos juntar ainda mais elementos, sempre misturados ao eletrônico, tornando a música do Maximum Hedrum ainda mais única", finaliza Ortiz.