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'Bróder' poderia ser no Capão Redondo, Jardins ou Leblon, diz diretor

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Bróder vai chegar aos cinemas brasileiros no feriado de Páscoa com modestas, porém sólidas, 45 cópias. O filme que já passou por festivais como o de Berlim, Gramado, Paulínia, Rio e Mostra de SP, estreia finalmente nas salas comerciais na "firmeza", como diriam seus personagens. Afinal de contas, o longa de estreia de Jeferson De tem na bagagem não apenas críticas positivas como um elenco afinado dentro e fora de cena: Caio Blat, Silvio Guindane, Jonathan Haagensen, Cássia Kiss e o rapper Du Bronx. Em coletiva com a imprensa hoje (18) em São Paulo, elenco e diretor conversaram sobre as ideias por trás do filme.

Filmado no imenso território do Capão Redondo, na periferia de São Paulo (área que volta e meia o diretor compara à Faixa de Gaza), Bróderacompanha a história de três amigos que se reencontram para comemorar o aniversário de um deles, o Macu (Caio Blat), personagem a princípio ambíguo que vai alinhavando a história. Nesse caminho, a exemplo dos curtas do diretor, o filme toca sutilmente em assuntos como racismo e exclusão social. Mas o estigma de "filme-favela" passa longe da cabeça do diretor: "Acho sinceramente que essa é uma história de três amigos que poderia se passar em qualquer outro cenário, fosse nos Jardins ou no Leblon", afirma Jeferson, se referindo a bairros nobres de São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente.

De um jeito ou de outro, seja Jardins ou Capão, o filme não deixa de, uma vez no contexto da periferia, tocar no ponto que parece ser mais latente aos filmes de Jeferson: a procura da identidade. "Para além dessa casca marrom, procuro saber quem eu sou, sempre". Composto por um elenco quase todo negro, a exceção de Caio Blat e Cássia Kiss, o filme toca nessa questão da identidade a partir da perspectiva do que significa "ser" negro.

Jonathan Haagensen explica: "Não é pelo fato de ser negro de pele, é porque você não está dentro do padrão", diz ele se referindo ao episódio que o ator Caio Blat viveu durante as filmagens de Bróder. Com o corte de cabelo do personagem (um corte baixo, quase máquina zero), mas vestindo suas próprias roupas, ele foi a um restaurante perto de sua casa e foi barrado pelo segurança do local.

"Eu sei o que você quer aqui, cai fora", foi a abordagem do segurança, lembra Caio. "Não entendi o que ele queria dizer no começo e só depois caiu a ficha. Primeiro me deu uma raiva, uma humilhação. Mas logo passei daquilo para um sentimento de orgulho, porque significava que eu estava realmente no personagem. Mas aí lembro que cheguei ao set revoltado no dia seguinte, falando pro Jeferson, o Silvio (Guindane) e o Jonathan (Haagensen) do absurdo que foi aquilo e a cara deles não mudava. Fui criando mais drama e nada, nenhuma reação. Foi quando eles esticaram a mão e disseram: bem-vindo."

O diretor Jeferson De, formado em filosofia na USP, reflete: "Esse 'racismo cordial' no Brasil é muito louco. Só aqui você tem negros neonazistas. Afinal de contas, nem todo mundo tem essa clareza do Jair Bolsonaro", falou Jeferson, que tem uma habilidade única para falar do tema racismo com uma ironia fina. "Pro Spike Lee é bem mais fácil, lá negro é negro e branco é branco", diz ele.

O rapper Du Bronx, sempre uma presença que anima qualquer apresentação do filme em público, comenta brincando sobre relações entre o Capão de onde ele vem e o mundo que, segundo ele, o olha sempre desconfiado pelo simples fato de ser negro. E manda o recado: "Registra aí, tou aqui de camisa Lacoste e sapato Nike".

Histórias de cortiço

Acostumada ao papel de mãe, Cássia Kiss disse que sabia que esse era um projeto de "pisar fundo" no assunto e, quando questionada sobre as semelhanças entre a mãe que interpreta no filme Bicho de Sete Cabeças e com a mãe deste filme, ela pontuou: "Quando entrei no set de Bicho de Sete Cabeças, comecei a chorar, porque aquilo era de onde eu vim. Eu nasci em um cortiço. Por isso, quando aceitei fazer parte deste filme, não fui passear pelo Capão, porque sei o que é aquilo, é a sua própria história que conta aquela realidade."