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Ana Vitória multiplica referências para coreografia de sua trajetória

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Taís Toti, Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - A artista neoconcretista Lygia Clark, as influências eruditas do pai e as raízes nordestinas da mãe são apenas algumas das influências que permeiam a instalação performática Afinal, o que há por trás da coisa corporal?, trabalho que celebra os 15 anos da companhia da bailarina e coreógrafa Ana Vitória um retrato implícito de toda a trajetória da artista. A partir de sexta-feira e até o dia 28, Ana se apresenta no Centro Cultural Correios, com entrada franca.

Neste trabalho vejo um pouco de tudo que já fiz. Tem uma precisão, uma limpeza, uma clareza de linguagem. Tudo é amadurecimento reflete a coreógrafa.

O espetáculo ou a instalação perfomática, como ela gosta de nomear promove um diálogo entre o corpo e os objetos posicionados na tenda-penetrável onde o trabalho acontece. Fios de seda primitivos e os próprios casulos do fio da seda, estopas, gazes e roupas feitas com bandagens de hospital, além de pedras estão entre os itens presentes.

É uma instalação, porque meu movimento partiu dos objetos que eu manipulei e organizei no espaço. Não tem nada que não esteja diretamente ligado aos objetos. Eu os retiro do meu inconsciente e instalo de forma que dialogue com ele em termos de movimento. Eles só existem porque meu movimento pediu e meu movimento só existe porque o objeto pediu.

A escolha de cada peça e do material utilizado se relaciona a um dos conceitos que permeia o trabalho.

Falo muito de uma ideia curativa, da arte como provocação para terapia, e com materiais orgânicos. É o objeto para transformação, transcendência do corpo.

Tento provocar o lado sensorial do público. Eles ficam muito perto de mim, sentindo minha respiração, o calor do meu corpo. É uma situação exposta; mas ao mesmo tempo estamos revestidos por materiais macios e leves.

Além de um espetáculo de dança, Afinal, o que há por trás da coisa corporal? pode ser considerado uma exposição. Logo no título o trabalho já denuncia toda a influência das artes plásticas no trabalho da bailarina e coreógrafa.

Dança pós-moderna

O título é uma frase retirada de um texto de Sueli Rolnik, psicanalista paulista que trabalhou muitos anos com a Lygia Clark e documentou o trabalho dela. Estava no catálogo de uma das exposições da Lygia, e o título tem justamente essa ideia da investigação, do impulso do que há de profundo, de mais inconsciente no universo feminino aprofunda Ana. O fato de ser uma pergunta é muito instigante; abre um leque de possibilidades para investigarmos o corpo.

Ela ressalta que todo o seu trabalho como coreógrafa sempre foi ligado ao movimento ao qual Lygia Clark faz parte:

Como eu faço dança pós-moderna, acho que o movimento dialoga muito bem com o neoconcretismo. Num amadurecimento natural do meu trabalho, fui me aproximando cada vez mais dessa coisa fora do padrão, do desasossego e do questionamento de se seguir ou não determinadas regras.

A trilha sonora da instalação performática foi escolhida com objetivos precisos. Smétak, músico holandês que viveu muitos anos na Bahia, terra natal da bailarina, ganhou recortes de suas Sonoridades plásticas, em que os sons estranhos, guturais ou orgânicos se relacionam à parte do nascimento, do ninho, do útero. Luiz Gonzaga é o lado cultural de Ana Vitória, pois ouvia o compositor na infância por influência da mãe. Bizet traz o lado erudito, puxado por seu pai, que era cantor de ópera.

Como é um trabalho muito autobiográfico, a trilha fala da minha memória. Somos feitos pelas oposições: por um lado eu ouvia música popular e por outro, erudito.

Fechando a comemoração dos 15 anos de trajetória, Ana Vitória lança, em abril, o livro Um traçado preciso da dança.

Traz fotos e textos de artistas e pessoas que vivenciaram com a gente essa trajetória. É o olhar da arte, uma documentação desses anos todos. É uma coroação super importante comemora.