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García Máquez volta a seu povoado 25 anos depois

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Agência EFE

COLÔMBIA - O escritor colombiano Gabriel García Márquez - apelidado carinhosamente de Gabo - retornou nesta quarta a Aracataca, seu povoado natal, após 25 anos de ausência, e o fez no 'trem amarelo' que aparece em suas obras e que percorria a zona bananeira do norte do país há oito décadas.

Gabo, seguiu assim a temporada de homenagens que começou no dia 6 de março, quando completou 80 anos, e continuou dias depois no 4º Congresso Internacional da Língua Espanhola, onde foram celebrados os 40 anos da publicação de 'Cem anos de solidão', seu principal romance, e os 25 do Prêmio Nobel de Literatura.

Segundo amigos do escritor, García Márquez estava reticente em retornar a Aracataca por causa de uma espécie de presságio, que o fazia temer ser a última vez a fazê-lo.

O trem amarelo, que na realidade é cor de creme e azul celeste, é formado por uma locomotiva identificada com o número 1047, que leva três vagões, um deles com cadeiras laterais de madeira e persianas amarelas, ao estilo dos anos 40, como narra o escritor em seus livros.

O trem partiu da estação ao lado do porto de Santa Marta, a cidade mais antiga da Colômbia, fundada em 1525, e capital do departamento (estado) caribenho de Magdalena, levando quase quatro horas para cobrir os 80 quilômetros do percurso.

No vagão principal iam García Márquez - vestido de branco -, sua esposa Mercedes e cerca de 50 familiares e amigos, funcionários e empresários que promovem a recuperação da rota ferroviária.

O escritor recebeu uma ligação de um de seus amigos mais conhecidos, o ex-presidente americano Bill Clinton, que o acompanhou no dia 26 de março na cidade colombiana de Cartagena, na homenagem que foi feita a ele durante o 4º Congresso da Língua Espanhola.

O trem é um projeto turístico e cultural que pretende recuperar esse sistema de transporte e impulsionar o desenvolvimento e a cultura da região.

A locomotiva foi fabricada em 1969 pela Sociedade Espanhola de Construções Basbcock e Wilcox, com licença da General Electric.

Os vagões foram restaurados em uma oficina perto de Medellín e chegaram em caminhões a Santa Marta poucas horas antes da partida.

Após serpentear as montanhas à margem do mar, a ferrovia se abriu passagem entre os bananais, enquanto os habitantes dos povoados e trabalhadores das fazendas saíam para saudar a caravana.

Os vagões passaram por Gaira, Bonda, Ciénaga, Riofrío, Orihueca, Prado, Sevilla - que foi a sede da empresa americana United Fruit Company-, Guacamayal, Tucurinca e, finalmente, Aracataca.

Foi entre Guacamayal e Sevilha de onde se diz que saiu o nome de Macondo, imortalizado como universo mítico da obra de García Márquez e que, segundo diferentes estudiosos, provém do nome de um tipo de banana de origem africana ou de uma das fazendas da região.

Ao chegar a Aracataca, o escritor passeou pelas ruas poeirentas em uma carroça puxada por cavalos e no final não subiu em um automóvel conversível dos anos 40 que tinham preparado para ele, no meio de 34 graus centígrados à sombra.

Depois foi a um almoço no qual foram serviram pratos típicos como um guisado de uma variedade local de pescado, salada, arroz com coco, bifes, 'cayeye' - um purê feito com bananas pequenas - e de sobremesa, doce de corozo, uma fruta do Caribe.

As estações do 'trem amarelo' guardam pouco dos bons tempos vividos pela região, cenário da célebre greve das bananeiras em 1928 e do não menos famoso massacre de trabalhadores, mencionados por García Márquez em suas obras, que falam de vagões levando centenas de cadáveres para jogá-los no mar.

Em alguma parte de 'Cem anos de solidão', seu autor lembra a Aracataca 'estremecida por um assobio de ressonâncias pavorosas, e uma descomunal respiração' do 'inocente trem amarelo'.

Hoje, após percorrer 80 quilômetros chegou a Aracataca, onde se deteve no meio de um profundo suspiro enquanto se suscitava uma fuga precipitada ao redor do vagão e as crianças aclamavam Gabo em uma estação pintada com borboletas amarelas, como as que revolviam ao redor de Maurício Babilônia em 'Cem anos de solidão'.

O escritor do realismo mágico, conhecido por sua lendária timidez e surpreendido pelas mostras de afeto das pessoas, se limitou a fazer cara de pânico pelo que o esperava ao descer do trem e a dizer: 'Todos sabem que eu não inventei nada?'.