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Mais um gol do México nas telas

Em alta após a vitória de ROMA em Veneza e o Oscar de Guillermo Del Toro, o cinema mexicano emplaca Museo, thriller sobre um roubo nos anos 1980

Divulgação -
O personagem Juan, vivido por Gael García Bernal, rouba peças de arte ameríndia da Galeria de História do México no thriller "Museo", que vem lotando salas nos EUA
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Com a recente vitória de “ROMA”, de Alfonso Cuarón, na disputa pelo Leão de Ouro do Festival de Veneza, e a forte expectativa em torno da passagem de “Nuestro tempo”, de Carlos Regadas, pela competição latina do Festival de San Sebastián, o México anda em alta nas telas e na cotação de Hollywood, o que anda transformando qualquer bom filme vindo de lá em um potencial sucesso. Não se esqueça de que o Oscar 2018 de melhor direção foi para um mexicano, Guillermo Del Toro. O enamoramento mundial com nuestro hermano da América do Norte transformou uma pequena produção com Gael García Bernal, rodada parcialmente em Acapulco e cheia de citações a “Chaves”, em um dos filmes mais aclamados da atualidade: “Museo”. Este thriller baseado em um lendário roubo de obras de arte ameríndias foi aplaudidíssimo em sua projeção no Festival de Berlim, em fevereiro, saindo de lá com o Urso de Ouro de Melhor Roteiro.

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O personagem Juan, vivido por Gael García Bernal, rouba peças de arte ameríndia da Galeria de História do México no thriller "Museo", que vem lotando salas nos EUA (Foto: Divulgação)

Com um ritmo frenético e uma estrutura de narrativa avessa às cartilhas de filmes de assalto, este longa-metragem de Alonso Ruizpalacios lota salas de exibição dos EUA há uma semana. Suas exibições nos festivais de Karlovy Vary, na República Tcheca, e de Toronto (o badalado Tiff), no Canadá, elevaram a temperatura da plateia. E ele já foi escalado para uma exibição no BFI London Film Festival, na Inglaterra, no dia 18 de outubro. É um dos maiores sucessos recente de Gael como ator.

“Lembro de ser ainda bem pequeno quando o roubo de artefatos de nossas antigas civilizações parou o México. Só se falava nisso, porém, eu mal tinha idade pra entender o que a palavra museu queria dizer”, disse o ator de “Babel” (2006) ao JB, na Berlinale.

Além de trazer a melhor interpretação do galã desde seu trabalho como Che Guevara em Diários de Motocicleta (2004), o longa-metragem surpreende pelo teor de excentricidade com que pinta o vazio existencial da jovem classe média mexicana dos anos 1980, quando se passa a trama. Há até uma divertida menção à vila do Chaves, humorístico mais famoso do México na TV, numa cena em que Gael usa uma camiseta com a cara do mais ilustre inquilino do Sr. Barriga para embrulhar um artefato raro.

“Nunca sei explicar o método em que atuo, sobretudo para dar complexidade a um personagem desses de ‘Museo’, mas sei que, quando Alonso me procurou, há algum tempo, eu fui tragado por essa história, que fala sobre vazios distintos”, disse o astro, hoje envolvido no longa “Ema”, o novo projeto do chileno Pablo Larraín, com quem fez o premiado “No”, em 2012.

Em “Museo”, ele aposta em um fino registro de humor ao encarnar Juan, funcionário do Museu Nacional de Antropologia da Cidade do México. Na noite de Natal de 1985, Juan tem a ideia do roubo, arrastando o amigo Wilson (Leonardo Ortizgris) consigo. “Apesar de nosso empenho em valorizar os fatos reais, a família dos ladrões não quis se envolver em nada com o filme, o que foi ótimo”, disse Ruizpalacios, cineasta de 40 anos revelado em 2014 com o elogiado “Güeros”: “Na prática da filmagem, não ter o cerceamento dos reais personagens nos deu liberdade para criar situações”.

Cada vez mais popular em solo americano, graças ao êxito por lá da série “Mozart in the jungle”, Gael entra em “Museo” também nos créditos de produção do longa, que tomou o Festival de Berlim de assalto. O dispositivo narrativo armado por Ruizpalacios dribla as expectativas do público a cada cena, criando múltiplas camadas, nas quais se destaca ainda o aclamado ator chileno Alfredo Castro (de “Tony Manero”). Ele vive o pai de Gael na trama. A sequência do roubo é bem-humorada e esbanja domínio de câmera.

Há, ainda, em “Museo”, um debate sobre inquietações de classes sociais. Há uma discussão sobre o que vale mais para a cobertura da mídia para um caso ligado ao patrimônio: uma mentira saborosa ou uma verdade frustrante. E há uma celebração da cultura mexicana.

“O que menos importa ao filme é o roubo, a intriga, e, sim, os dilemas internos dos envolvidos, que estão num tempo de maturidade afetiva”, disse Ruizpalacios ao Caderno B. “Eu nasci na classe média do México, filho de um médico, numa casa com conforto. Não saberia como falar das favelas do meu país, mas tenho interesse em falar do mundo que conheço. O México é uma nação muito complexa e eu quero celebrá-la com este filme”.

Neste momento em que o Brasil ainda contabiliza as cicatrizes morais deixadas pelo incêndio no Museu Nacional, o longa de Ruizpalacios entrará aqui como um balizador da importância ética da preservação do passado. “Museo” está entre as potenciais apostas para o Festival do Rio, que acontecerá em novembro.

*Roteirista e crítico de cinema