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A paz não é feita de medo

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“A minha alma tá armada e apontada, para cara do sossego! Pois paz sem voz, paz sem voz, Não é paz, é medo!” O Rappa - ‘Minha Alma’

Das inúmeras vezes que ouvi essa música, nunca tinha parado, como nesses últimos dias, para pensar no peso político e social que a narrativa dela traz. 

A impressão que tenho tido é que o acumulo de violência que o povo favelado sofre diariamente é fruto de uma realidade brasileira, que infelizmente dia após dia é naturalizada. A letra da música retrata a agonia do cidadão brasileiro, que mesmo tendo seus direitos garantidos pelo estado, vive cerceado pelo medo, pela insegurança, pela violência. 

Como outrora dizia em um outro artigo “O erro é sistêmico. O Estado é o vilão. Policiais são mal preparados, mal pagos, desmoralizados diante da hierarquia militar e perante a opinião pública. Nossa população está refém de uma política de segurança ineficiente. Que mata e não protege. Que transmite medo ao invés de segurança. Que reproduz a guerra ao invés de trazer a paz.”

https://www.jb.com.br/comunidade-em-pauta/noticias/2015/12/01/cinco-jovens-sofrem-atentado-terrorista-no-rio-de-janeiro/

A paz que esse indivíduo tanto sonhou nunca foi assegurada porque a violência o reprime fisicamente, moralmente e simbolicamente. Tendo a acreditar que a segurabilidade concedida pelo ‘Estado’ não passa de mais uma medida sistêmica que nos obriga a sermos encarcerados nos nossos próprios lares. 

Faltam escolas com ensino integrado à cultura e ao lazer, falta saneamento básico, falta hospitais com amplo atendimento, falta habitação de qualidade, faltam outras inúmeras necessidades básicas. Ao contrário das políticas públicas que iriam garantir direitos para a favela, o Estado investe em policiamento, militariza o território tendo-o como ‘pacificado’, inibe a cultura local e criminaliza a pobreza. 

Os mecanismos de segurança pública, que eram para ser ferramentas de proteção social e de garantia da paz, não garante a segurança e muito menos trazem a paz. Essa lógica de proteção social não foi criada para o pobre, mas para coibir o pobre. Ela foi inventada por uma elite hegemônica que historicamente instrumentaliza as políticas públicas no Brasil, para unicamente garantir as manutenções dos seus interesses privados. 

Porém, como comecei essa breve explanação com um trecho da música do Rappa quero concluir com um outro momento da letra. O seguinte fragmento diz o seguinte: “As grades do condomínio, são pra trazer proteção. Mas também trazem a dúvida, se é você que tá nessa prisão”. 

Essa é a pergunta que fazemos todos os dias. Quero a paz, mas não tenho. Resta-me o medo e a vontade de estar em segurança. O que fazer?

Tranco-me em casa, me privo de sair para não ser assassinado por uma bala perdida ou sofrer alguma violência pela coerção da polícia. Até por que se eu sair, não sei se volto, se chego tarde da noite não posso entrar em casa, até  porque a madrugada na favela tem outros donos. De manha, na ida das crianças para o colégio e do povo para ir para o trabalho, constantemente tem operações militares com riscos de troca de tiros entre bandido e polícia, culminando novamente no risco da bala perdida. Melhor parar por aqui, se relatar todas as possibilidades de coerção que o favelado vive dá para escrever alguns livros.

As perguntas que ficam nos levam a algumas reflexões: De fato, na favela, estou livre ou estou preso? Vivo um tempo de paz ou de medo? Já sabemos a resposta não é?! Então por que se fala tanto em pacificação, quando na verdade vivemos uma guerra? 

*Walmyr Júnior é morador de Marcílio Dias, no conjunto de favelas da Maré, é professor, membro do MNU e do Coletivo Enegrecer. Atua como Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve). Integra a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ