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Desmilitarização: Tarcísio e Bolsonaro fazem debate quente na PUC

Mas para quem é da comunidade, o fundamental é o debate sobre acesso à cidadania

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Na quarta-feira (25), no ginásio da PUC-Rio, milhares de alunos de diversos cursos da universidade assistiram um debate que reuniu, representando a esquerda, o professor Tarcísio Motta, ex-candidato ao governo do Rio pelo Psol, e representando a direita, o deputado estadual Flavio Bolsonaro (PP). Na pauta, um tema que diz respeito à segurança, ao direito à vida e ao respeito ao exercício e respeito à democracia: desmilitarização da Polícia Militar.

Ao som de muitas vaias de "fascista" e poucos aplausos, entrava o deputado Bolsonaro para defender a continuação da PM. Do outro lado, pelo fim da militarização entrava com muitos aplausos de pé o professor Tarcísio. O mediador do debate, representante do Diretório dos Estudantes, agradeceu a presença de todos e informou as regras do evento.

Por ordem de sorteio, Bolsonaro iniciou seu discurso a favor da militarização, foi logo interrompido pela multidão que gritava pelo fim da polícia militar. O deputado respondeu as vaias dizendo:  "A esquerda é barulhenta, mas nem sempre é a maioria". O deputado se disse infeliz por termos a esquerda no poder representado pela presidenta Dilma Rousseff. Assim, começou a defesa da PM, informando que a culpa desse emenda que busca  o fim da PM teve origem no filme Tropa de Elite, quando capitão Nascimento, personagem principal do filme, finaliza o filme dizendo que a PM tem que acabar. Segundo Bolsonaro, esse filme foi criado por 'Psolistas' e com as manifestações de 2013 o pedido pelo fim da PM se tornou um projeto de emenda constitucional com o objetivo de criar uma polícia única. 

Segundo o deputado, a "armadilha dessa PEC" é a centralização e unificação da polícia, que seria centrada no governo federal que hoje é governado pelo PT, onde haveria polícias que em tese seriam estaduais, mas seriam na verdade da esfera federal."Se acabar com a PM, o Brasil pode ficar igual à Venezuela, onde não se compra papel higiênico e não há liberdade de imprensa... A PM é quem traz segurança à população...Todo mundo critica, mas quando passa por algum sufoco liga logo pro 190... Não é função da polícia tratar traficante com flores".

Os alunos gritavam em resposta à fala do deputado com a frase: "Essa polícia só mata pobre". O deputado continuou afirmando que a desmilitarização ameaça a democracia e que a polícia representa a segurança do estado, que os policiais sofrem muitas humilhações, cargas excessivas de trabalho e que trabalham por vocação e não por dinheiro. "Se desmilitarizar, vai quebrar a espinha dorsal das forças armadas... O povo deve ir às ruas pedir o impeachment dessa presidenta."

O professor Tarcísio iniciou sua fala explicitando a importância de um debate tão relevante dentro do ambiente da universidade. Defendeu a desnaturalização como forma de não aceitar que seja natural a polícia do Rio de Janeiro ser a que mais mata no mundo. "Não é natural a quantidade de violência e homicídios que assistimos como nos casos Amarildo, Claudia e dos soldados que também morrem nas UPPs. Temos a polícia que mais mata e que mais morre, nesse clima de guerra ninguém ganha." 

Tarcísio afirmou que o debate não se tratava de uma competição de futebol, e muito menos uma disputa entre esquerda e direta, mas sim um momento de refletir  qual modelo de sociedade queremos. Ele questionou se o modelo de segurança onde 600 pessoas morreram só no Rio de Janeiro pelas mãos da polícia militar, e onde 77% dos mortos são jovens pobres e negros, é o modelo correto de segurança: "77% que morreram são jovens e negros, e isso deveria preocupar todos nós, isso se chama genocídio." 

Tarcísio criticou que o estado peça o aumento cada vez mais da militarização com a ocupação das favelas e até mesmo com a presença de policiais militares nas  escolas para controlar a frequência escolar dos alunos. "Isso é militarização da vida", criticou o professor. "Toda a lógica da segurança publica é de ver a favela como território inimigo".

Tarcísio criticou a militarização das favelas, onde os moradores precisam ir até as UPPs para resolver coisas que não cabem à polícia. Segundo ele, esse modelo busca a gestão militarizadora da pobreza. Para Tarcísio, na favela a UPP significa a ocupação de gestão do espaço público, onde  tudo o que acontece precisa da autorização da UPP. "O morador tem que ir na UPP pedir liberação até para uma festa. É um modelo que busca a gestão militarizadora da pobreza." 

Tarcísio defendeu que a unificação da polícia em um ciclo ajudaria na resolução dos homicídios. Para ele é preciso fiscalizar os paióis  da própria polícia, pois as armas encontradas e apreendidas são todas de origem desses lugares. O professor defendeu um debate para legalização das drogas "Quem mata o cidadão na favela não é a droga, não é a maconha, e sim a arma." Tarcísio afirmou que a droga legal ou não é caso de saúde e não de polícia. 

Bolsonaro respondeu que liberar as drogas não acaba com o criminalidade: "Vocês acham que o traficante, se legalizar as drogas, vai ir trabalhar de carteira assinada? Em um pais com a taxa tributária como a nossa, a maconha ia ser caríssima no mercado e farmácia, e iam surgir as falsificações. O tráfico nãi iria acabar. O SUS iria entrar em colapso. Sou radicalmente contra." 

O debate continuou com perguntas e, quase no fim, aconteceu uma briga entre alguns alunos que foram rapidamente retirados pela segurança.

Essas duas horas ouvindo os dois representantes e ouvindo os cochichos e vaias dos adeptos da esquerda e da direita me fizeram atentar e refletir sobre a nossa vida, sobre nós, os moradores da favela. Nós quem temos que conviver de fato com a violência e com as carências estruturais que encontramos na favela. Nós somos quem perdemos nossos familiares para essa guerra. Nós que perdemos os nossos jovens e que não temos igualdade no acesso aos direitos de um cidadão. 

A minha posição não é de direita e nem de esquerda, não é a favor e nem contra a polícia, mas é a favor sim da garantia dos direitos dos moradores de favela. É a favor de uma escola com educação de qualidade para nossas crianças, é o saneamento, é a oportunidade de trabalho, é a comida na mesa e o acesso ao lazer e cultura com paz e segurança. 

Para isso, não se precisa discutir que tipo de  polícia devemos ter, mas sim o acesso aos direitos de cidadania aos moradores de favela. 

* Davison Coutinho, 24 anos, morador da Rocinha desde o nascimento. Bacharel em desenho industrial pela PUC-Rio, Mestrando em Design pela PUC-Rio, membro da comissão de moradores da Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu, professor, escritor, designer e liderança comunitária na Comunidade.