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Triste constatação

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Assistindo a um programa sobre depoimentos de mulheres que participaram da resistência e luta contra a ditadura militar no Brasil, um dado atual solto em meio às últimas palavras da entrevistada me chamou atenção.

A entrevistada narrava que hoje apóia lutas coletivas e ao ser procurada por uma mãe em São Paulo, ajudou-a  e viu nascer o Movimento Mães de Maio em São Paulo. Mas o que isso tem a ver com minha atenção alertada, mais ainda depois de ouvir as dores na memória das torturas vividas pela militante?

O fato de que ela se sensibilizara com a morte de um jovem e a dor de sua mãe, a criadora do movimento citado ainda pouco e que se somava ao número de 600 mortos em São Paulo em maio de 2006. É isso, seiscentas mortes em um mês. Não vou contextualizar, pois creio que muitos se lembram, mas se não, podem lançar mão de notícias do período na internet.

Fiquei com aquele número dançando em meus pensamentos. Seiscentos jovens mortos, isto em números oficiais, porque, pela realidade brasileira, podemos até pensar que os não oficiais poderiam aumentar esta conta.

Este número me assombra a todo instante, e me causa muita inquietação saber que eles passaram sem nenhuma indignação por nossas telas, folhas dos impressos,  notícias no mundo virtual, e os digerimos sem qualquer atenção e eles se foram, desvanecidos na esteira de mais mortes de jovens, de forma violenta todos os dias e aos montes. A cor deles eu penso nem ser necessário falar, mas há sempre os desatentos, então, negros em sua quase totalidade ou não brancos.

Este número causaria consternação, acredito eu, em qualquer lugar, mas em nós, brasileiros já não surte mais efeito. Vamos contando, como em um placar macabro, um, dois, um comentário aqui, dez, uma indignação passageira ali, cem, uma manifestação aqui outra acolá, mas tudo na mesma. As mesmas frases, os mesmos estigmas.

Um país tão farto em números na sua cristandade, mas tão escasso na sua misericórdia. Me recordo da letra de uma canção, que se não me foge a memória, repito aqui, por favor, não fiquem chateados. A canção diz que no Brasil há homens com tanto poder e nenhum coração. Triste constatação.

Quantos de nós bons cristãos, ou que de alguma forma tem uma espiritualidade, ou um mínimo de caridade, se indignou de fato com os cidadãos brasileiros, como nós da ocupação da Telerj?

Não deu tempo talvez, eu entendo. As filas quilométricas para comprar ovos de chocolate depois do dia de trabalho, o almoço de Páscoa, o feriadão, muita coisa pra fazer, mas também, se meter nisso, já sabiam que não ia dar boa coisa mesmo. Pois é, veja só se todo mundo que não tem casa se meter a fazer isso, não é mesmo?

Afinal, somos um povo altamente pacífico. As revoluções, revoltas, levantes, contados  à meia boca ou não pela oficialidade são só um mero detalhe, desvio de gente que nunca está satisfeita com nada, só pode ser.

Quem sabe se nestes tempos de reedição de alguns episódios, não nos metamos à reeditar o Ame-o ou Deixe-o. Até porque, como dizem nossos ícones dos gramados, a Copa e as Olimpíadas precisam de estádios, áreas esportivas e infraestrutura adequadas e não hospitais, escolas, casas...

Ao povo dos Carajás que não encontrou seu Eldorado, nossa lembrança e vergonha.

"A nossa luta é todo dia e toda hora. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!"

*Representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.