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Um ponto ausente

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Um sintoma claro da descrença brasileira na democracia tem aparecido em todas as pesquisas eleitorais: cerca de 30% dos eleitores pretendem votar nulo ou em branco, ou dizem não ter preferência por nenhum candidato. É o não-voto, que em algumas simulações assume a liderança. Na pesquisa espontânea, ele chega a 69%: 23% pretendem votar em branco ou nulo e 46% não apontaram um candidato preferido. 

Na última pesquisa “A cara da democracia no Brasil” (INCT), 82% disseram não confiar nos partidos políticos. Sem eles, não se faz democracia. Candidatos a presidente deviam ter propostas não só para os problemas econômicos e sociais mas também para resgatar a confiança no sistema político.  Afinal, como diz aquela velha música dos Titãs, “a gente não quer só comida”. 

Em parte, a desilusão tem a ver com “comida”, vale dizer, com a crise, o desemprego, a queda na renda etc.  A causa maior da grande rejeição a Temer, apurou o Datafolha, é o fracasso econômico de seu governo.  Afinal, disseram ao povo que, tirando Dilma, tudo iria melhorar. Tempo bom, na memória coletiva, foi o de Lula. Segundo o Datafolha, para 32% dos entrevistados ele é o candidato mais preparado para tirar o Brasil da crise e acelerar o crescimento. Isso explica que o não-voto cresça de 13% para 34% quando o nome dele é excluído da lista de candidatos. 

Mas não é só a incompetência que gera a descrença. Em 2013, a economia cresceu 2,3% e o desemprego foi de 5,4% e mesmo assim as ruas rosnaram, rejeitaram políticos e partidos, derrubaram a popularidade de Dilma e disseram coisas como “vocês não nos representam”. Ou “não é por R$ 0,20”. Era por algo mais: por uma democracia que funcionasse, onde os representantes fossem leais aos representados. 

Nem foi também só a corrupção, que a Lava Jato começaria a desvelar em 2014.  A constatação de que todos os partidos sempre se lambuzaram no mesmo melado fermentou o desprezo pelas siglas. Mas nenhum partido foi tão estigmatizado pela queda na corrupção como o PT, alvo dos manifestoches raivosos de 2015. Entretanto, na última pesquisa CNI-Ibope, o PT obteve 19% de preferência, contra 7% do MDB, 6% do PSDB e 2% do PSOL. Os demais tiveram 1%. 

O “algo mais” que todos querem é não ser massa eleitoral a cada dois anos, é um mínimo de decência e coerência dos eleitos, e é também ter mais voz ativa nas decisões.  Mas, até agora, este mal estar com o sistema político não mereceu a atenção dos candidato. 

Poderiam começar prometendo consultar mais a população, através de plebiscitos e referendos, previstos na Constituição. Ou se comprometendo a propor a revogabilidade dos mandatos. Se há ideia que os brasileiros acalentam é a de poder “cassar” pelo voto o mandato dos que esquecem o que prometeram. O presidente eleito vai herdar uma situação econômica gravíssima mas terá de aproveitar a lua de mel para dar respostas, também, à desilusão com a democracia. Sem alguma forma de repactuação, a eleição em si não trará a solução. 

ESTRANHO MESMO 

Os recursos da defesa de Lula chegaram ao TRF-4 em 23 de abril. Ficaram dois meses parados, demora que embasou o pedido de suspensão dos efeitos da condenação, que a segunda turma do STF julgaria na terça-feira. Já no início da noite de sexta-feira a vice-presidente do TRF-4, Fátima Labarrère, despachou-os, acolhendo um, destinado ao STJ, e negando o destinado ao STF. E com isso, o relator Fachin tirou o assunto da pauta de terça-feira. A matéria perdeu o objeto. 

O que despertou a pressa tardia do TRF-4? Segundo petistas, foram os rumores de que a Segunda Turma do STF não soltaria Lula mas lhe concederia a prisão domiciliar. Eleitoralmente, faria toda diferença. Em casa, recebendo quem quisesse, falando ao telefone ou gravando vídeos, mesmo não podendo concorrer Lula turbinaria seu poder de transferir votos para o futuro candidato do PT. A Lava Jato teria uma síncope. 

A defesa vai recorrer contra o cancelamento decidido por Fachin. Numa ala do STF, continua-se buscando alguma solução para Lula, mas mantendo-o inelegível.