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Uma frente de Esquerda? *

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* POR OCTÁVIO COSTA

No fim de seu artigo de ontem, Tereza Cruvinel afirma que “são muitos os desafios para a esquerda em seu novo tempo sem Lula” e pergunta se as negociações de hoje “poderão evoluir para uma frente eleitoral”. Certamente, vai voltar ao assunto. Mas eu aproveito a questão que ela tão bem deixou no ar para dar a minha opinião a respeito da frente de esquerda. Para começo de conversa, revelo meu total ceticismo sobre a possibilidade de os partidos de ideário socialista se unirem no país. Em texto conjunto que assinaram na “Folha de S.Paulo”, Manuela D’Ávila, do PCdoB, e Guilherme Boulos, do PSOL, fazem a seguinte profissão de fé: “Como pré-candidatos à Presidência, temos clareza de que as diferenças programáticas para as eleições não impedem nossa unidade como reação ao momento sombrio atual”. A confiar neles, PCdoB e PSOL poderiam se unir com vista ao pleito de outubro. 

Manuela e Boulos, de fato, estiveram junto nos atos de solidariedade ao ex-presidente Lula, inclusive na despedida no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Foi um gesto bonito, ao qual Lula agradeceu em público. Mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, como dizem os alemães. Quem conhece a história da esquerda brasileira, desde a criação do Partido Comunista, em 1922, em Niterói, sabe que a prática é de profundas divisões. Quando se fala das facções de esquerda em nosso país vem logo à cabeça a famosa cena de “A vida de Brian”, filme do grupo inglês Monty Python, em que quatro militantes da causa palestina, à época de Cristo, se reúnem na arquibancada de um coliseu para traçar os rumos do movimento rebelde contra os romanos. Eles eram os únicos membros de quatro facções. No Brasil, sempre funcionou assim. O que não falta são divisões e subfacções. Algumas, mais aguerridas, ficaram famosas como a simpática Libelu e radical CUT pela Base.  Havia também os posadistas, que acreditavam piamente que a revolução se iniciaria com a chegada de extra-terrestres ao país. 

Num plano maior, o Partido Comunista do Brasil nasceu de uma dissidência do Partido Comunista Brasileiro.  De um lado João Amazonas, e do outro Luiz Carlos Prestes.  Por muitos anos, os dois partidos comunistas não se bicaram. Nossa esquerda também recebeu muito mal a volta de Leonel Brizola do exílio em 1979. Petistas e comunistas diziam que Brizola era demagogo e contribuía para o atraso das massas. E tome pau no PDT. Como acontece hoje na internet, alguns amigos deixaram de se falar em 1982 quando Brizola se candidatou ao governo do Rio e o Partidão, com seus capas pretas, apoiou Miro Teixeira, do PMDB.  Mas vamos falar com fatos bem mais recentes. Quando Lula veio ao Rio para a homenagem a Marielle Franco no Circo Voador,  Marcelo Freixo sentou-se ao lado do ex-presidente no palco, mas de cara amarrada. Ao discursar, tocou num ponto nevrálgico do PT quando afirmou que a esquerda deveria fazer autocrítica.  O Professor Tarcísio passou maior parte do tempo de costas para os petistas. E Chico Alencar simplesmente não foi ao evento.  

Portanto, por mais que Guilherme Boulos tenha se aproximado de Lula, a ala carioca de seu partido quer distância do PT.  Quanto ao PCdoB, assim que foi anunciada a candidatura de Manuela D’Ávila, vazou informação da Executiva deixando claro que, se Lula conseguir se candidatar, Manuela deixa o páreo. A deputada gaúcha diz que não é bem assim, mas o futuro é incerto e nebuloso depois da prisão do ex-presidente. Manuela e Boulos, no artigo da “Folha”, ressaltaram que “é urgente a construção de uma unidade democrática contra a prisão arbitrária de Lula, a escalada de intolerância política e a garantia de eleições livres”. Não sou cético a ponto de não acreditar na “unidade democrática”. Mas outra coisa é a tal frente de partidos de esquerda. Isso não faz parte da tradição não só aqui, mas em todo mundo. Há 100 anos os bolcheviques passaram por cima dos mencheviques. Hoje, o que se vê é um PT enfraquecido, mas que ainda sonha em  exercer a hegemonia entre os partidos de esquerda. Com Lula na ativa, pode até ser. Mas, sem a presença do ex-presidente na campanha, Manuela D’Avila e Guilherme Boulos vão até o fim. Quem sabe o PT apoia um deles.