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Além de Lula

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Dias comuns quase não há mais no Brasil mas o de hoje é mesmo especial. A decisão que será tomada pelo STF em relação ao pedido de habeas corpus (HC) do ex-presidente Lula não apenas garantirá sua liberdade ou apressará sua prisão.   Ela responderá a uma questão essencial para a solidez do Estado de Direito: vale o que diz a Constituição sobre a presunção da inocência ou vale a interpretação punitiva que transforma em regra a permissão para prisões após condenação em segunda instância?  Não haverá pacificação imediata,  pois um lado vai perder, blasfemar e ranger os dentes mas a posição do STF terá que ser respeitada. Ou então vamos mesmo para as lutas corporais e dane-se a ordem democrática. 

Embora esteja clara uma tendência a favor da concessão do habeas corpus, por 6 a 5 votos,  especular sobre resultados é ocioso até porque a sessão pode não recomeçar no ponto em que parou no dia 22 de março. Pode surgir, por exemplo, uma questão de ordem para que as ADCs sobre a constitucionalidade das prisões em segunda instância sejam examinadas antes do mérito do pedido de Lula, que não seria resolvido hoje. Foi diante da disposição do ministro Marco Aurélio neste sentido que a ministra Cármem Lúcia pautou o julgamento do HC de Lula.  As duas questões, de todo modo, se afunilaram, porque são inextrincáveis. Conseguindo impor esta “inversão de pauta”, a nova maioria de 6 a 5 proporcionaria mais conforto ao plenário, que decidiria sobre o caso de Lula ancorada no princípio restabelecido, neutralizando acusações de casuísmo. 

Naquele dia, a concessão de salvo-conduto temporário a Lula, para não ser preso até à conclusão do julgamento foi largamente percebida como tendência favorável ao HC.  Reduziu-se o mistério sobre o voto da ministra Rosa Weber e Gilmar Mendes, apesar do antipetismo, vem sinalizando claramente sobre seu voto e o pendor da nova maioria. Por isso mesmo, nas últimas horas as instâncias inferiores de linha “punitivista” desencadearam uma pressão imensa e inusitada sobre o STF. Juristas e advogados “garantistas” replicaram com outro abaixo assinado. Acredito que a nova maioria está disposta a enfrentar os humores sociais, contrariando a defesa do “alinhamento com a sociedade” pregada pelo ministro Barroso. 

Se ganhar, Lula ficará livre, fará campanha, provavelmente será inabilitado mas estará no jogo. Se perder, será preso, mesmo liderando as pesquisas. Muito ruim para a imagem do Brasil, disse Gilmar Mendes. Muito ruim para a democracia. 

Sobre a presunção da inocência, principio que paira sobre esta discussão, vale a leitura de um texto em circulação no meio jurídico. É do ex-ministro do STF César Peluso, um vetusto conservador, publicado pelo Conjur em setembro de 2016. Seu título, “É preciso entender a grandeza do princípio da presunção da inocência”. Depois de historiar sua evolução doutrinária secular, ele conclui que não se trata de mera regra de tratamento, e sim da “expressão máxima de um modelo de processo penal concebido primordialmente para proteger a liberdade, e não, para punir”.

FRENTE DE ESQUERDA 

Correntes do PSOL estrilaram, a presença do PDT foi tênue e Ciro Gomes não apareceu. Mas o que houve no Circo Voador anteontem foi um avanço dos partidos de esquerda em busca de uma unidade mínima, no momento em que a extrema-direita solta seus cães raivosos e ganha terreno a olhos vistos com a candidatura Bolsonaro. Desmentindo críticas da ala esquerda do PSOL - que compareceu com Freixo, Jean Willys e outros - Marielle Franco foi devidamente lembrada e o esclarecimento do crime cobrado. Candidaturas petistas não foram lançadas, todos pisando em ovos para preservar a aproximação. No mais, a beleza do silêncio de Chico Buarque, que falou muito com sua presença.