ASSINE
search button

O jogo de Cármen

Compartilhar

Num jogo bem calculado, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, marcou para hoje o julgamento do habeas corpus preventivo pedido pelo ex-presidente Lula. Exime-se da responsabilidade pelo destino dele, entregando-a ao plenário, mas sem permitir o exame da matéria que daria as bases para a concessão do habeas corpus: a revisão da autorização de prisões após condenação em segunda instância. Por isso até no PT os prognósticos são pessimistas. 

Cármem pode ter obtido uma passageira redução na tensão mas não conseguirá a  pacificação da corte. O clima ali é de faca na bota, como se viu pelo arranca-rabo de ontem entre os ministros Gilmar e Barroso, por outras razões.   Em relação ao tema “segunda instância”, o que divide o Supremo,  Cármen manteve fora de pauta.   O que uma parte do ministros cobra é a deliberação sobre duas ADCs, ações que questionam a constitucionalidade da autorização de prisão após condenação em segunda instância, aprovada em 2016.  A falta de consenso sobre a matéria, no dizer do ministro Marco Aurélio Mello, vem conferindo  “sabor lotérico” às decisões individuais sobre habeas corpus.  Variam conforme a posição do relator. 

Mas como a “tese” não será examinada, a não ser que alguns ministros resolvam confrontar a presidente e forçar o exame das duas questões conexas, a rejeição ao pedido de Lula é mais provável.  “O julgamento do habeas corpus preventivo, desacompanhado de uma decisão sobre a constitucionalidade da prisão em segunda instância, não é promissor. Mas nós esperamos que, no debate, o plenário consiga enfrentar as duas questões”, diz o deputado Nelson Pellegrino (PT-BA).

 É sabido que Cármen seria derrotada por 6 a 5  se colocasse em votação as duas ADCs, liberadas ainda em dezembro pelo relator,  ministro Marco Aurélio.  Uma nova maioria formou-se,  depois da decisão de 2016, reunindo seis votos a favor de sua revisão: Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.  Mas quando se trata da concessão de habeas corpus individuais, o quadro muda. Rosa Weber tem negado todos os que lhe caem nas mãos, alegando que hoje existe uma jurisprudência (a  regra de 2016), que se sente obrigada a seguir enquanto ela vigir. 

Assim, Lula é que pode perder de 6 a 5.  Votariam a favor dele cinco dos seis ministros que defendem a  restauração do principio da presunção da inocência, ou da não-culpabilidade, fixada pela Constituição no artigo 5º, inciso LVII: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Mas Rosa votaria contra.

Como o TRF-4 pode concluir na segunda-feira o exame dos recursos de Lula contra a condenação, a negação do habeas corpus, hoje pelo STF, apressaria sua  prisão.  Outro pedido HC seria apresentado mas o quadro na corte não teria mudado.  Pode acabar acontecendo, conforme já especulado, que Lula fique algum tempo preso, sendo liberado quando Cármen permitir que o plenário reexamine e derrube a permissão de prisão em segunda instância, de repercussão geral sobre o sistema de Justiça.  MBL, Lava Jato e caçadores de Lula vão chiar do mesmo jeito. 

Seja qual for o resultado de hoje,  o caso está longe de um bom desfecho,  como diz o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay: “Sem julgar as ADCs, a insegurança jurídica vai persistir.  Continuaremos tendo um Supremo lotérico. O cumprimento de pena após condenação em segunda instância continuará dependendo da posição do relator e da turma. O julgamento do HC do ex-presidente Lula é importantíssimo para ele, como seria para qualquer cidadão na expectativa de ser preso, mas o julgamento das ADCs é que atenderia à angústia de todos os jurisdicionados e restabeleceria a segurança jurídica, tão essencial na democracia”.