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O ódio está solto

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Se agora a situação está assim, imagine quando chegar a hora da eleição. No primeiro momento, foi a compaixão, com milhares de pessoas repudiando a execução de Marielle Franco. Não o fizeram por convocação ou identidade com a esquerda a que se filiava a vereadora do PSOL.  Dois dia depois o ódio saiu da toca e começaram os ataques à sua memória e reputação, que só faltaram dizer “fez por merecer”. No domingo, um padre foi “xingado de tudo” em Ipanema por tê-la citado positivamente durante a missa. Ontem o ex-presidente Lula teve o ônibus de sua caravana cercado e apedrejado no Sul. Em São Paulo, um grupelho lançou tomates contra o ministro do STF Gilmar Mendes, na chegada ao local de uma palestra, exibindo cartazes “somos todos Lava Jato” e “fora Gilmar”. 

Se o crime político e hediondo ocorrido no Rio tornar-se  um ponto de viragem na conjuntura, hipótese que aventei na coluna de anteontem, as coisas vão piorar. Vai se aprofundar o antagonismo entre direita e esquerda, e entre os grupos reflexos contra isso e pró-aquilo,  engrossando a corrente de ódio que corre entre nós desde 2013.  

Não que antes o Brasil fosse um país cordial, como propagado por leituras equivocadas de Sergio Buarque de Hollanda, que não falou de um homem pacífico e amoroso. O que ele identificou foram artifícios e ardis polidos apenas na epiderme como estratégia de inserção. Falou de um homem que, olhando para seu próprio  umbigo, segue menos a razão e mais o coração, e nele ódio também tem morada:  “cada indivíduo afirma-se ante os seus semelhantes indiferentes à lei geral, onde esta lei contrarie suas afinidades emotivas, atento apenas ao que o distingue dos demais, do resto do mundo”, disse ele.  

Não  faltou ódio ao longo dos 500 anos em que “caçamos índios e  operários, queimamos árvores e hereges, estupramos livres e mulheres, sugamos negras e alugueis”, como diz o esquecido mas sempre atual poema de Affonso Romano de Sant’Anna, “Que país é este?” , publicado por este  JB no estertor da ditadura.  Mas este de agora, temperado pela radicalização política,  não mais se dissimula,  drenado principalmente pelas redes sociais, que liberam os instintos e oferecem a proteção do anonimato. E que se converte crescentemente em violência, como no caso de Marielle, como no aumento vertiginoso da taxa de homicídios, como na situação do Rio.  Não haverá intervenção bem sucedida se não atacar as causas do ressentimento social, fonte de ódio, e se não houver no país uma repactuação política, ancorada no respeito à vontade da maioria.   Do jeito que vamos, quando a eleição chegar, quem sabe o que virá. Muito adubado o ódio ainda será até lá.

MOREIRA: SEM RECUO 

Houve muito desencontro ontem no governo a respeito das  verbas para a intervenção no Rio, com o presidente Temer falando em R$ 800 milhões, o ministro Meirelles em R$ 1 bilhão e o general Braga Netto falando na necessidade de R$ 3 bilhões.  Para o ministro-chefe da Secretaria-geral da Presidência, Moreira Franco, a obsessão orçamentária é equivocada e não afetará a determinação do governo em prosseguir com a intervenção. “Recursos  não faltarão, e não precisam ser liberados de uma só vez, até porque os regramentos  jurídicos não permitem a execução imediata de todo o volume.  Depois, sempre surgirão imprevistos que exigirão mais recursos, e serão providenciados.  Ninguém poderia supor que a arrogância do crime organizado produziria este crime bárbaro.  O que precisa ficar claro é que o governo não vai recuar da intervenção e vai aprofundá-la, com ações complementares.  O assassinato da vereadora só reforça nossa convicção de que a intervenção era necessária, inclusive para proteger vidas humanas.  Não pudemos evitar esta morte, podemos ter mais casos desta natureza mas o crime não nos intimidará’, disse ele à coluna.