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Grupo utiliza nanopartículas de ferro para fortificar fórmula de leite infantil

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Um estudo pioneiro e inédito no Brasil, realizada por pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Unicamp e da Universidade de Oviedo, na Espanha, conseguiu sintetizar e utilizar nanopartículas de ferro (Fe) para a fortificação de fórmulas artificiais e de leite materno para a alimentação de recém-nascidos. Integram o grupo de pesquisadores a pós-doutoranda Rafaella Regina Alves Peixoto, a professora Solange Cadore, do Departamento de Química Analítica do IQ, e o professor Alfredo Sanz Medel, do Departamento de Físico-Química e Analítica, em Oviedo, supervisor dos estudos. Na pesquisa procurou-se avaliar a absorção, metabolismo e biodisponibilidade do ferro quando administrado sob a forma de nanopartículas.

A biodisponibilidade se refere à quantidade do elemento (proteína, vitamina, etc.) que de fato é absorvido e utilizado pelo organismo em funções metabólicas. “O objetivo da pesquisa foi encontrar uma forma de enriquecer as fórmulas artificiais com ferro que de fato pudesse ser metabolizado e utilizado pelo organismo”, explica Rafaella Peixoto. “O leite materno in natura possui baixo teor total de ferro, cerca de 0,2 e 0,4 miligramas por litro. Porém, à medida que se liga a proteínas de alta massa molecular, ele se torna altamente absorvível e utilizado pelo organismo do bebê, diferentemente do ferro encontrado em fórmulas artificiais.”

A ingestão e absorção inadequadas de ferro nas primeiras semanas de vida podem trazer sérios danos à saúde, como anemia, atrasos no desenvolvimento e distúrbios comportamentais – por isso, o ferro é um dos elementos mais estudados para fortificação de fórmulas infantis e do leite materno. Atualmente, a forma mais comum e barata de enriquecimento é com sulfato ferroso (Fe II), um sal que em excesso pode causar efeitos gastrointestinais colaterais e interferir na absorção de outros nutrientes, como zinco (Zn) e cobalto (Co). Dessa forma, o desafio que guiou a pesquisa foi obter nanopartículas que se assemelhassem ao ferro do leite materno in natura, para garantir uma nutrição eficaz e adequada.

Metodologia

O pioneirismo da pesquisa está em investigar não somente o teor total de ferro no leite materno, como (e principalmente) a quantidade que é digerida e absorvida via aleitamento materno in natura e também pelas fórmulas industriais. A escolha por testar a fortificação através de uma nanopartícula se deve ao seu tamanho, entre 1 a 100 nanômetros (nm), o que favoreceria sua absorção intestinal, e às suas características estruturais, que se assemelham à forma como o ferro é estocado pelo organismo.

A maior dificuldade enfrentada foi detectar e trabalhar com elementos em baixas concentrações nas amostras, como o ferro (Fe). Foi a necessidade de utilizar equipamentos e técnicas sensíveis que levou Rafaella a inscrever o projeto de pesquisa na Universidade de Oviedo, junto a um grupo que desenvolve trabalhos com nanopartículas e é referência mundial na análise de especiação de elementos metálicos. Em laboratório adequado, a equipe de pesquisadores integrada por Rafaella sintetizou as nanopartículas e as marcou com isótopo estável de ferro (57Fe), para que fosse possível diferenciar, acompanhar e detectar o trajeto dela no organismo.

Com as nanopartículas prontas, as fórmulas de leite foram fortificadas para alimentação das cobaias por duas semanas, sem nenhum complemento. Após esse período de alimentação, o fígado e amostras de sangue foram analisados através das técnicas de cromatografia e espectrometria de massas, capazes de separar e detectar diversas substâncias com precisão, mesmo em pequenas quantidades por amostra.

Os trabalhos foram conduzidos através de estudos de especiação química, nos quais foi possível identificar e quantificar as principais espécies químicas envolvidas no metabolismo do ferro (ferritina, hemoglobina e transferrina) nos órgãos e fluidos das cobaias. Também foi utilizada uma metodologia matemática chamada de Deconvolução de Perfis Isotópicos, ainda inédita no Brasil, que permitiu diferenciar o ferro (Fe) endógeno, já presente no organismo das cobaias ao nascer, e o ferro (Fe) exógeno, que foi administrado sob a forma de nanopartículas.

Os resultados obtidos mostraram que o ferro da nanopartícula foi incorporado de forma não tóxica ao organismo das cobaias e utilizado para funções biológicas. Isso quer dizer que as nanopartículas de ferro foram de fato digeridas, absorvidas e utilizadas para o funcionamento do organismo. “Acredito que essa é uma das formas mais promissoras de fortificar as fórmulas infantis, de maneira bem parecida com o leite materno in natura”, ressalta Rafaella Peixoto.

“É um estudo muito interessante e fascinante, porque traz informações e resultados em benefício mais direto para a sociedade. Infelizmente, é uma pesquisa cara, que precisa de financiamento e parcerias, pois a ideia é aprofundá-la e analisar os detalhes das amostras, que só são obtidos através de equipamentos mais sensíveis”, afirma a professora Solange Cadore, colaboradora do projeto.

Teor de minerais

Rafaella integra outro grupo de pesquisadores que estuda a presença de minerais no leite materno, em uma parceria com a Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, que faz parte do trabalho de doutorado de Carla Bianchi Codo, enfermeira neonatologista e aluna do Departamento de Saúde da Criança e do Adolescente, orientada pelo professor Sérgio Tadeu Martins Marba.

Esta parte da pesquisa utilizou 208 amostras de leite coletado de mães de bebês prematuros, nascidos com mais de 32 semanas em beira de leito, e amostras provenientes de banco de leite humano (coletadas antes e depois da pasteurização). O objetivo é aumentar a oferta de leite in natura para recém-nascidos. A partir da informação de que é necessário complementá-lo com cálcio (Ca) e fósforo (P) para atender às demandas do prematuro, Carla solicitou ao IQ a análise das amostras de leite que obteve na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Limeira, com autorização das mães. Os resultados obtidos pelo IQ serão utilizados por Carla na tese que está em andamento.

Para a determinação dos teores totais dos elementos, as 208 amostras foram homogeneizadas e submetidas à mineralização ácida assistida por radiação micro-ondas, e analisadas por Espectrometria de Emissão Óptica com Plasma Indutivamente Acoplado. As análises das três matrizes (leite materno in natura, leite materno doado antes e depois da pasteurização) indicaram uma diminuição dos teores totais de cálcio (Ca), fósforo (P) e potássio (K) nas amostras que passaram por estocagem, congelamento e pasteurização, indicando a necessidade de uma possível fortificação.

Atualmente, essas amostras estão sendo analisadas por uma técnica mais sensível, a Espectrometria de Massas com Plasma Indutivamente Acoplado, para estudar a influência da pasteurização em outros elementos como ferro (Fe), zinco (Zn), manganês (Mn), cobre (Cu), estrôncio (Sr), molibdênio (Mo) e chumbo (Pb). O equipamento foi fornecido pela empresa Agilent Technologies.

Linha de pesquisa promissora

Os estudos de especiação química estão em fase inicial no Brasil, com grupos pontuais de pesquisa trabalhando com essas técnicas. Um deles é o Grupo de Espectrometria Atômica (GEAtom) do Instituto de Química da Unicamp, do qual faz parte a linha de pesquisa sobre bioacessibilidade e biodisponibilidade, coordenada pela professora Solange Cadore.

“Esses estudos de especiação são caros e difíceis de fazer sem equipamentos específicos, por isso queremos trazer essa técnica para nosso laboratório, para que no futuro possamos realizar estudos aqui no país”, esclarece Solange.

Os estudos sobre bioacessibilidade e biodisponibilidade de elementos, coordenados pela professora permitem a avaliação da absorção de nutrientes de diversos alimentos. Em sua tese de doutorado, defendida em 2015, Rafaella estudou os elementos metálicos em achocolatados, concluindo que o produto pode sim contribuir para a ingestão de alguns elementos essenciais e que, do ponto de vista toxicológico, o alimento é totalmente seguro.

Em relação ao uso de nanopartículas para fortificação de alimentos, os estudos também estão em fases iniciais. “Não faz muito tempo que a nanotecnologia entrou na moda, ainda há muito a ser estudado e, por isso, queremos continuar com as pesquisas aplicando a nanopartícula em testes com nosso método in vitro, no qual simulamos a absorção dos elementos utilizando uma linhagem celular do intestino”, completa Rafaela.

A nutrição pelo leite materno

O leite materno é um alimento completo, constituído por 87% de água, dispersões coloidais, emulsões de gordura, membranas de glóbulos de gordura e células vivas. Os principais macronutrientes encontrados no leite humano são proteínas, lipídios e o dissacarídeo lactose. Os principais micronutrientes incluem vitaminas (A, B1, B2, B6, B12 e D) e elementos essenciais, como sódio (Na), potássio (K), cálcio (Ca), iodo (I), ferro (Fe), fósforo (P), magnésio (Mg), cobre (Cu) e zinco (Zn).

O leite humano também possui uma série de compostos bioativos, incluindo fatores imunológicos e de crescimento, como imunoglobulina, lactoferrina, leucócitos e fatores de crescimento epidérmicos. Porém, em determinadas situações a amamentação materna com leite in natura não é possível e, nestes casos, a alimentação de bebês é realizada por duas fontes: bancos de leite humano ou fórmulas infantis.

O Brasil possui uma das redes de bancos de leite humano mais ativas do mundo. Estima-se que em 2016 foram coletados 174.178 litros de leite, a distribuição de 127.277 litros. No mesmo ano foram registradas 161.165 doadoras e 155.558 receptores, sendo os bancos de leite concentrados no Estado de São Paulo os mais ativos, segundo a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano.

O uso das formulações infantis é necessário especialmente para bebês prematuros ou que nasceram abaixo do peso. Nestes casos, busca-se obter uma formulação o mais semelhante possível ao leite materno cru. É para essas amostras que o enriquecimento com nanopartículas de ferro (Fe) se mostrou eficiente, de acordo com a pesquisa.

*jornal da Unicamp