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Química determina qualidade nutricional de peixes amazônicos mais consumidos

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Ao se candidatar a uma vaga no doutorado do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, a química manauense Banny Silva Barbosa tinha em mente realizar pesquisas que pudessem trazer contribuições para sua região. Decidiu, então, em comum acordo com sua orientadora, professora Ljubica Tasic, determinar qualitativa e quantitativamente os lipídios (gorduras) presentes em nove espécies de peixes mais consumidas pelos ribeirinhos do rio Amazonas e verificar se continham proporções adequadas de ômega 3 e 6 e de outras gorduras comprovadamente benéficas à saúde humana por contribuírem para a prevenção de doenças cardiovasculares e infecciosas e auxiliarem até no combate de doenças do sistema nervoso central.

Apesar de constituírem mais de três mil espécies conhecidas, os peixes amazônicos têm sido pouco estudados quanto à qualidade nutricional de suas gorduras. A ideia era verificar se os peixes mais apreciados pelos consumidores seriam também os de melhores qualidades nutricionais. As populações da região Norte evitam os peixes lisos, sem escamas, porque os consideram muito gordurosos e maléficos à saúde e os denominam remosos.  Seriam esses peixes efetivamente menos saudáveis?

Para o estudo, além da escolha das espécies mais consumidas na região, ela adotou alguns critérios: 1) realizar a colheita nos períodos de cheia e seca (descartando as épocas de enchente e vazante), em que o volume de água do rio Amazonas mantém-se estabilizado e o desnível atinge valores máximos (de 4 m a 7 m, diferença significativa em termos de volume), porque nessas distintas fases a oferta de alimentos não é a mesma; 2) partir do pressuposto de que as diferenças de hábitos alimentares seriam um dos determinantes na composição lipídica dos peixes, pois entre eles existem os que se alimentam de frutas e de insetos – onívoros; de animais e de outros peixes – carnívoros; exclusivamente de outros peixes – piscívoros; de matérias orgânicas em decomposição – detritívoros; e de plânctons – planctívoros; 3) fixar locais de coleta tanto para os peixes de hábitos diurnos como noturnos; e 4) selecionar exemplares acima da idade de reprodução com tamanhos equivalentes em cada espécie. Estes critérios são compreensíveis pois, por exemplo, se sabe que quanto maior a quantidade de água, maior a dispersão dos peixes, o que dificulta a alimentação dos piscívoros, enquanto os onívoros se beneficiam porque os alagamentos contribuem para o florescimento das árvores e os frutos caem nas águas.  

Condução do trabalho

As coletas, que duraram em torno de uma semana, foram realizadas no Lago do Catalão, situado entre Manaus e Iranduba, tiveram o apoio, através de convênio, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), de profissionais sediados na base flutuante local e do professor Adalberto L. Val, biólogo e pesquisador da instituição e há longo tempo estudioso dos peixes da região. Pescadores se revezaram para trazer as espécies de hábitos diurnos e noturnos, de cinco pontos pré-determinados pela pesquisadora. Na base ela realizava, então, imediatamente, a extração do fígado e do músculo (filé), fazia a higienização e os colocava em tubos adequados para congelamento.

De cada amostra transportada para o Laboratório de Química Biológica, do Departamento que Química Orgânica do IQ, foram extraídos os lipídios, óleos, com utilização de metodologia consagrada, para que pudessem ser identificados e quantificados, primeiro, através da ressonância magnética nuclear e, depois, da espectrometria de massas, esta última realizada em parceria com a Cardiff University, em Cardiff, País de Gales.

Ressonância e espectrometria

A ressonância magnética nuclear permitiu identificar os principais lipídios presentes em cada amostra e determinar sua composição quantitativa. A significativa proporção dos ácidos graxos ômega 3 e 6 e as baixas quantidades de colesterol revelaram-se características comuns dos peixes analisados. Constatou-se, também, que tanto os hábitos alimentares como as épocas de cheia e seca influenciam a composição de lipídios das espécies estudadas, e se manifestam diferentemente em músculo e fígado.

Assim, foi possível determinar quais das espécies possuem maiores qualidades nutricionais. Por exemplo, constatou-se que os óleos dos onívoros são mais saudáveis que dos piscívoros. Entre os peixes mais saudáveis ela menciona o tambaqui, também o mais apreciado pela população ribeirinha, a sardinha amazônica e a matrinxã.  Os menos recomendados, também menos aceitos pelos regionais, são os peixes lisos, sem escamas, como o caparari.

Na abordagem com o emprego da espectrometria de massas foram identificados nesses peixes 63 fosfolipídios. As análises revelaram que suas composições, embora diversas nas várias espécies, não são influenciadas pelos períodos sazonais, seca ou cheia do rio, e nem pela diferença de hábitos alimentares, porém, fortemente pelo tecido analisado, fígado ou músculo.

Em linhas gerais, conclui Banny: “A quantidade de lipídios nos peixes amazônicos estudados depende de seus hábitos alimentares e da quantidade de alimentos disponíveis, e o fígado é o mais rico em gordura. Encontramos também entre os fosfolipídios, principalmente nos onívoros, biomarcadores indicados contra doenças do sistema nervoso central que futuramente poderão ser utilizados em formulações farmacêuticas”.

Parceria

A professora Ljubica explica a importância da parceria com a universidade de Cardiff: “Como eles possuem um grupo que trabalha especificamente com análise de lipídios, a Banny pode identificar os fosfolipídios e planejar testes biológicos que pudessem orientar possíveis aplicações futuras de lipídios na prevenção ou mesmo tratamento de doenças. Ou seja, conhecendo a bioatividade dos lipídios, pode-se conjeturar sobre seus aproveitamentos em fármacos ou suplementos alimentares”.

Para esse trabalho a pesquisadora selecionou previamente e levou para Cardiff - onde permaneceu durante seis meses com bolsa financiada pela Fapesp dentro do Programa Bolsa de Estágio Pesquisa no Exterior (BEPE) - cerca de cem amostras de lipídios.

Além de desenvolver as técnicas de espectroscopia de massas ela aprendeu a identificar lipídios através da pele, uma especialidade que vem sendo desenvolvida pelo grupo de Cardiff, e determinar a atividade de cada lipídio no corpo humano.

Estes conhecimentos poderão inclusive viabilizar a produção de suplementos alimentares com ômega 3 e 6 à base de óleos de peixes amazônicos. A docente lembra, entretanto que, embora estejam felizes com os achados, foram estudadas apenas nove das cerca de três mil espécies de peixes amazônicos.

*jornal da Unicamp