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Médico fala sobre Zika vírus e a Síndrome de Guillain-Barré

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A Síndrome de Guillain-Barré costuma ser uma das doenças neurológicas que mais frequentemente ocupam as páginas do noticiário. Desde julho de 2015, foram notificados no estado do Rio de janeiro 193 casos de síndrome neurológica, sendo que 23 casos podem estar associados à infecção pelo vírus Zika. Outros 134 casos estão em investigação para associação com o vírus, e 36 casos foram descartados por não terem quadro clínico compatível. Possivelmente pelas características da imprevisibilidade, da gravidade e da possibilidade de sequelas a longo prazo que estão relacionadas a este diagnóstico.

“Sem dúvida, as polirradiculoneuropatias agudas — denominação mais adequada para a Síndrome de Guillain-Barré — têm um lugar de destaque dentro da neurologia, uma vez que são, atualmente, a principal causa de paralisias flácidas agudas ao redor do mundo”, destaca o neurologista Daniel de Souza e Silva, membro titular da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica. 

Existem quatro formas clínicas mais frequentes:

1 – Polirradiculoneuropatia inflamatória desmielinizante aguda (AIDP): forma clássica da doença, na qual o tipo de lesão neural existente é predominantemente desmielinizante, ou seja, que remove ou destrói a bainha de mielina do nervo ou trato nervoso. Os sinais e sintomas principais estão relacionados às alterações de sensibilidade (dormência, dor, formigamento) e força muscular (fraqueza, paralisias musculares, câimbras). “Em diversos casos existem simultaneamente alterações relacionadas ao sistema nervoso autônomo, como taquicardia, variações de pressão arterial, arritmias cardíacas, mudança no padrão de sudorese”, acrescenta Daniel de Souza e Silva. 

2 – Neuropatia axonal sensitivo-motora aguda (AMSAN): esta apresentação é indistinguível da anterior do ponto de vista clínico. No entanto, aqui, o substrato da lesão neural é um dano do tipo axonal. “Se imaginarmos o nervo como sendo um fio semelhante ao que temos em nossas casas, a bainha de mielina corresponde à capa do fio e o axônio pode ser comparado ao fio de cobre propriamente dito. Em princípio as lesões do próprio axônio são mais graves do que as lesões que envolvem a bainha de mielina. Alguns autores relatam um prognóstico não tão favorável para esta condição como tempo mais longo de recuperação e presença de sequelas tardias”, acrescenta o neurologista. 

3 – Neuropatia axonal motora aguda (AMAN): nesses casos os pacientes apresentam somente sinais e sintomas motores, também decorrentes de um dano neural do tipo axonal. Não há acometimento de fibras sensitivas. O prognóstico não difere muito daquele observado para as formas anteriores. 

4 – Síndrome de Miller-Fischer: forma bastante diferente da doença, com uma gravidade habitualmente menor. Os sinais e sintomas clássicos são: desaparecimento dos reflexos profundos, que são aqueles pesquisados com o martelo durante o exame neurológico, ataxia (desequilíbrio e incoordenação) e paralisia dos músculos que movem os globos oculares (chama-se oftalmoparesia). “É uma forma muito menos agressiva, que muitas vezes sequer precisa de tratamento”, destaca o especialista. O prognóstico é amplamente favorável, sem sequelas. 

DIAGNÓSTICO 

O diagnóstico se baseia na análise de dados obtidos a partir dos elementos listados: 

1 – Quadro clínico: presença de sinais e sintomas como alterações de sensibilidade (dormência, dor, formigamento) e força muscular (fraqueza, paralisias musculares, câimbras); e alterações relacionadas ao sistema nervoso autônomo, como taquicardia, variações de pressão arterial, arritmias cardíacas, mudança no padrão de sudorese.

2 – Estudos neurofisiológicos: o exame de escolha é a eletroneuromiografia. Este é um exame tradicional na área da neurofisiologia clínica, que tem por finalidade estabelecer o diagnóstico, definir o tipo de lesão neural (desmielinizante ou axonal) e estimar o prognóstico da doença. No Estado do Rio de Janeiro há poucos locais onde os pacientes podem realizar este exame pelo Sistema Único de Saúde. 

3 – Exame do líquido cefalorraquidiano (líquor): este exame é útil, sobretudo, nas formas desmielinizantes da doença, mas apresenta limitações cronológicas que reduzem sua positividade. 

“Os exames funcionais não são substituíveis pelos exames de imagem, por mais tecnologia que os segundos empreguem. Abrir mão de um deles significa, em última instância, correr risco de não estabelecer o diagnóstico de uma forma tão completa quanto possível”, destaca Daniel de Souza e Silva. De acordo com o neurologista, no caso das polirradiculoneuropatias agudas, a eletroneuromiografia tem papel fundamental no diagnóstico, orientação terapêutica e previsão do prognóstico dos pacientes. Isso porque, como se trata de uma neuropatia periférica, ou seja, uma perturbação na função elétrica dos nervos, a melhor maneira de demonstrar isto é a través do estudo funcional destes nervos, que é feito por este exame.

TRATAMENTO 

Há duas opções terapêuticas reconhecidamente efetivas: imunoglobulina humana intravenosa e plasmaferese. A primeira é um agente imunizante passivo, um concentrado de imunoglobulinas, principalmente a imunoglobulina G (IgG), obtido através dos anticorpos retirados do sangue de milhares de doadores. Já o segundo é um tratamento que remove elementos do plasma sanguíneo que possam ser responsáveis pela doença.

“O mais importante para o sucesso terapêutico é a precocidade na escolha do tratamento, função direta do diagnóstico precoce. Idealmente, deve começar nos primeiros sete dias do início dos sinais e sintomas e, se possível, nunca ser postergado para além dos vinte e um dias”, acrescenta Daniel de Souza e Silva.