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A morte da onça Juma

Professor da Unesp é entrevistado sobre fato que ganhou repercussão internacional

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A cerimônia de revezamento da tocha olímpica por Manaus acabou em morte, decepção e revolta. Durante a passagem do evento pelo zoológico do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) na segunda-feira, duas onças pintadas foram exibidas ao público, que interagiu e tirou fotos com os animais. Pouco tempo depois, uma delas, Juma, tentou se soltar, atacou um tratador e teve de ser abatida a tiros.

A notícia correu o mundo e a imagem triste do animal, encoleirado e acorrentado ao chão, alertou ativistas e pesquisadores. A pergunta que surgiu: faz sentido exibir animais selvagens em grandes eventos desse tipo?“O que aconteceu é completamente inaceitável. Foi uma coisa amadora, mal planejada”, diz Carlos Alberts, biólogo da Unesp que pesquisa o comportamento dos felinos, entre eles a onça pintada. “Isso queima completamente a imagem do país, do animal e da relação de seus habitantes com a natureza. O evento perdeu completamente a importância perto desse fato. A impressão que fica é que estamos no meio de bárbaros, sem a ideia de como tratar os animais.” Contato do pesquisador: [email protected] o pesquisador, a ideia de exibir esses animais não é necessariamente ruim. O fato de a população poder vê-los de perto gera empatia, uma visão positiva que pode ajudar em sua conservação. Mas um animal desse porte nunca poderia participar de um evento desses, interagindo diretamente com o público. “A onça pintada, quando criada em cativeiro, é muito confiável, mais do que a maioria dos cachorros. Ainda assim, é um animal muito poderoso, que pode matar sozinho um boi”, diz. “Mesmo seres humanos podem se descontrolar numa grande multidão.”

Para piorar, o modo como o exército lidou com a situação ao sacrificar o animal demonstra despreparo. “É muito pouco provável que uma onça assustada atacasse as pessoas e precisasse ser detida desse modo. A pessoa que atirou provavelmente não conhecia o animal, se assustou com algum movimento e o tratou como um bandido perigoso.”Segundo Carlos Alberts, é necessário repensar a utilização das onças nesse tipo de evento. Mesmo que Juma não tivesse tentado fugir, a própria imagem do animal encoleirado não ajudaria na imagem que o Brasil quer passar para o resto do mundo. “A onça acorrentada passa a impressão do homem dominando o animal, o que é uma bobagem. Se ela realmente quisesse fugir, conseguiria arrastar até quatro tratadores”, diz. “A noção que queríamos passar para o resto do mundo, de uma convivência harmônica com a natureza, já se mostrava falsa por essa imagem.”

Segundo Alberts, esse fato vem se somar a uma grande lista de fatos que atrapalham a imagem das Olimpíadas no Brasil. “Temos a crise política, as obras que nunca terminam, o Zika vírus, o lixo na lagoa Rodrigo de Freitas. Isso foi só a cereja podre do bolo.”“Imagina se nos jogos de Pequim, eles tivessem exposto um panda e depois de ele abrir a boca, tivessem dado um tiro?”, diz o pesquisador. “Se eu tivesse algum poder de decisão nos países participantes, cancelaria a vinda aos jogos por causa disso.”