ASSINE
search button

Novos alvos para o tratamento de mieloma múltiplo

Compartilhar

A busca de novos alvos terapêuticos para as chamadas doenças linfoproliferativas – grupo no qual estão incluídas neoplasias como leucemia, linfoma e mieloma – tem sido o foco do Laboratório de Biologia Molecular e Celular da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia, Departamento de Oncologia Clínica e Experimental, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Os avanços na identificação de biomarcadores associados ao mieloma múltiplo foram apresentados pela coordenadora do grupo, a professora Gisele Wally Braga Colleoni, em Columbus, Estados Unidos, no último dia da programação da Fapesp Week Michigan-Ohio. O simpósio foi realizado entre 28 de março e 1o de abril com o objetivo de fomentar a colaboração entre pesquisadores paulistas e norte-americanos.

"O mieloma múltiplo é ainda uma doença incurável. Apesar dos avanços com o uso de drogas imunomoduladoras, inibidores de proteassoma (via importante para a degradação de proteínas no interior das células) e o transplante autólogo de medula óssea, a doença acaba, em algum momento, recidivando. Atualmente, o índice de sobrevida em cinco anos após o diagnóstico é de apenas 35%. Portanto, ainda temos muito que avançar no entendimento de mecanismos e no tratamento", comentou Colleoni em entrevista à Agência Fapesp.

Conforme explicou a pesquisadora, a doença é caracterizada pela proliferação descontrolada de um tipo de célula do sistema imune conhecida como plasmócito, derivada dos linfócitos B e responsável pela produção de anticorpos (proteínas do tipo imunoglobulina, responsáveis pela imunidade humoral). Esses casos correspondem a 1% de todos os cânceres e a 10% das neoplasias da área hematológica.

"Quando a proliferação maligna dos plasmócitos ocorre de maneira localizada, geralmente nos ossos ou seios da face, é chamada de plasmocitoma. Quando ocorre de forma sistêmica, é classificada como mieloma múltiplo", explicou Colleoni.

Nos casos mais avançados, o nível de plasmócitos infiltrados na medula óssea aumenta consideravelmente e eles passam a ocupar o espaço dos demais componentes do sangue, comprometendo o funcionamento do sistema. Os sintomas mais frequentes são dores ósseas, infecções, anemias e problemas renais.

O grupo da Unifesp iniciou a busca por marcadores moleculares do mieloma múltiplo há cerca de 15 anos, quando integraram a força-tarefa do Programa Genoma Clínico do Câncer, coordenado pelo então professor e atual reitor da Universidade de São Paulo (USP), Marco Antonio Zago. Atualmente, o trabalho é financiado pela FAPESP por meio do Projeto Temático "Identificação de marcadores tumorais e possíveis alvos terapêuticos em doenças linfoproliferativas de células B".

"Entre 2000 e 2008, recebemos financiamento da Fapesp para coletar e armazenar amostras de medula óssea e soro de todos os pacientes com mieloma múltiplo atendidos no Hospital São Paulo, da Unifesp. Desde então continuamos coletando e analisando esse material e comparando com células normais com o objetivo de identificar genes e vias importantes para o funcionamento celular que estão diferencialmente expressos no tumor", contou Colleoni.

O grupo observou que, em 90% das amostras de mieloma múltiplo, havia aumento na expressão do gene TRIAP1, um inibidor de apoptose (morte celular programada) que muito possivelmente auxilia a sobrevivência da célula tumoral e representa, portanto, um potencial alvo terapêutico. Em testes realizados in vitro, o silenciamento do TRIAP1 induziu a morte de grande porcentagem das células tumorais.

"Ainda não conseguimos fazer testes in vivo porque não existe um inibidor farmacológico para o TRIAP1 e, quando fazemos o silenciamento do gene em cultura, as células morrem antes de obtermos um número suficiente para implantar no animal e induzir à formação do tumor", explicou Colleoni.

O grupo então decidiu testar em um modelo de camundongo a inibição farmacológica do gene HSP70, que dá suporte ao gene TRIAP1 e, dessa forma, também ajuda a célula tumoral a sobreviver. Segundo Colleoni, o HSP70 costuma estar hiperexpresso em vários tipos de câncer, inclusive mieloma. A terapia foi testada em conjunto com um inibidor do proteassoma conhecido como bortezomibe.

"Conseguimos bons resultados com o inibidor do HSP70 in vitro, mas, no modelo animal, ainda não conseguimos diminuir o tamanho do tumor de forma eficiente, independente do uso isolado ou associado ao bortezomibe. Estamos fazendo adaptações no modelo", contou Colleoni.

Outras frentes de pesquisa

O grupo da Unifesp também tem atuado em outras frentes na busca por alvos terapêuticos contra o mieloma múltiplo. Uma delas é o desenvolvimento de uma vacina que visa estimular o sistema imunológico a reconhecer e atacar as células tumorais. Segundo Colleoni, como se trata de uma doença originada em células de defesa, a imunidade mediada por linfócitos B (humoral) de seus portadores costuma estar bastante comprometida.

O grupo identificou proteínas expressas em boa parcela das células tumorais – entre elas a MAGEC1/CT7 e a MAGEA3/6 – com alto potencial imunogênico, ou seja, capacidade de induzir uma resposta imunológica celular (mediada por linfócitos T). Os achados despertaram o interesse de outros grupos de pesquisa, entre eles o coordenado por Kris Thielemans na Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica, e o da professora Sara Saad, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

"Nesse caso, a proposta é coletar células imaturas do sistema imune do próprio paciente a ser tratado e sensibilizá-las in vitro com os antígenos tumorais. Depois de maduras, essas células são reaplicadas no paciente e espera-se que elas consigam atacar as células tumorais. Antes, porém, é necessário aplicar outros tratamentos para reduzir a carga tumoral", contou Colleoni.

Um método semelhante já vem sendo aplicado pela equipe de Thielemans no tratamento experimental de melanoma. Colleoni ressaltou, no entanto, que esse tipo de vacina é específico para cada paciente.

"Não se trata de um produto comercial. A imunoterapia, porém, vem sendo considerada a maior revolução no tratamento do câncer nos últimos cinco anos e muitos resultados relevantes vêm sendo apresentados com a inibição de proteínas como PD-1, PDL1 e CTLA4. Isso estimula os linfócitos T a reconhecer o tumor e eliminá-lo", contou a pesquisadora.

A busca por alvos terapêuticos também tem sido feita nas chamadas células estromais da medula óssea. Conforme explicou Colleoni, esse tipo de célula está presente em todos os tecidos do organismo e serve como um mecanismo de suporte, produzindo, por exemplo, fatores de crescimento.

"O tumor consegue, de alguma forma, reprogramar essas células estromais da medula óssea para que elas passem a trabalhar para retrolimentá-lo. Nós estamos buscando um meio de interromper essa comunicação e de bloquear a ação dessas células estromais de modo a favorecer o combate à célula tumoral", contou a pesquisadora.

Por último, a equipe tem se dedicado a investigar, em amostras de mieloma múltiplo, a existência de células-tronco tumorais. Elas seriam outro potencial alvo terapêutico, pois poderiam favorecer a recidiva ou a resistência do tumor ao tratamento convencional.

"Fazemos a análise usando uma técnica conhecida como citometria de fluxo. Partimos de dados da literatura que indicam que essas células, se de fato existirem, deverão expressar alguns marcadores de pluripotência como as proteínas ALDH+ e CD34+. Os estudos também indicam que elas, para serem consideradas células-tronco do mieloma, não podem expressar a proteína CD138", explicou.

Parte dos dados apresentados por Colleoni foi divulgada em artigos nos periódicos: Biochimica et Biophysica Acta (BBA) - Molecular Basis of Disease; Cancer Immunology, Immunotherapy; Cancer Letters ; e Cancer Immunity.

Osteoartrite

Na mesma sessão dedicada ao tema "Medicina e Saúde", a professora Sudha Agarwal, da Divisão de Biociências na The Ohio State University, apresentou dados de um projeto apoiado pela FAPESP e realizado em parceria com Mario Ferreti Filho, professor do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Unifesp.

A pesquisa tem como objetivo entender por qual mecanismo a prática de exercícios físicos moderados melhora a inflamação que acomete cartilagens de portadores de osteoartrite. Por meio de experimentos com camundongos bioluminescentes, o grupo mostrou que o treinamento modula a expressão de diversos genes e altera o balanço de moléculas inflamatórias e anti-inflamatórias no organismo – melhorando a inflamação de forma sistêmica.

Os pesquisadores tentam, atualmente, identificar biomarcadores capazes de indicar em que medida o paciente está respondendo às intervenções terapêuticas.

Também participaram do painel realizado na tarde de sexta-feira o pesquisador David Symer, vinculado ao The Ohio State University Comprehensive Cancer Center, e as professoras da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Marta Imamura e Linamara Battistella.