Em simpósio realizado no dia 19 deste mês, na Academia Nacional de Medicina, após exposição do Prof. Carlos Brittes, infectologista da Universidade Federal da Bahia, foi amplamente discutida a epidemia pelo vírus Chikungunya, que no momento assola o Brasil, ao lado do vírus da Dengue e do vírus Zika.
A febre Chikungunya teve seu vírus isolado pela primeira vez em 1952, em um paciente febril durante um surto na Tanzânia. A palavra Chikungunya, em dialeto Makonde da Tanzânia, significa “aqueles que se dobram”, uma referência a uma das características clínicas da doença, que apesar de pouco letal, é muito limitante. O paciente tem dificuldade de movimentos e locomoção por causa das articulações inflamadas e doloridas, daí o “andar curvado”.
A infecção é transmitida por mosquitos do gênero Aedes (A. aegipty e A. albopictus), e até recentemente era limitada à África subsaariana, entretanto, a partir de 2004, ocorreram epidemias no Quênia, e alastramento da infecção para as ilhas do Oceano Índico. Entre 2004 e 2006 estima-se que ocorreram 500 mil casos nesses locais. A partir destas áreas, a infecção se espalhou pelo sudeste asiático, e mais recentemente, atingiu a França, ilhas Reunião (maior epidemia, com 266 mil pessoas acometidas - 34% da população). Em 2006 atingiu a Índia, em 2007 Ravena na Itália, em 2013 América e Caribe e chegou ao Brasil em dezembro de 2014, no Oiapoque, Amapá.
Hoje, a infecção alastrou-se pelo território nacional brasileiro, e provavelmente se tornará endêmica em nosso meio.
As manifestações clínicas, após um período de incubação de 1 a 12 dias, incluem:
• Febre alta de início súbito, dores musculares, dores nas costas, dores nas articulações em geral, sendo que a dor é intensa, incapacitante, impede o sono e o caminhar, com duração média 1 a 3 semanas (podendo chegar a muitos meses).
• Pode ocorrer dor de cabeça, dor de garganta, náuseas, vômitos, diarreia, gânglios cervicais ou generalizados.
• Ocorre ainda fotofobia, conjuntivite, hemorragia conjuntival
• Alteração do estado mental, convulsões, déficitscerebrais
• A hemorragia é rara, mais leve do que na dengue, e mais comum em velhos e crianças
A febre Chikungunya apresenta algumas características peculiares:
• Mulheres grávidas são mais afetadas (50% nas ilhas Reunião) e o desfecho da gestação não é afetado. A transmissão transplacentária é improvável, mas pode ocorrer no canal de parto (viremia). A transmissão ao recém nato é associada com prostração, dor, febre e plaquetopenia e até alguns casos de encefalopatia com sangramento intracranianao e sequelas.
• Pode ocorrer evolução para artrite crônica em alguns casos, com duração de até 3 anos ou mais.
• Existem critérios positivos para artrite reumatoide.
O diagnóstico é eminentemente clínico, mas pode ser feita a confirmação através da detecção de anticorpos contra o vírus (surgem após uma semana do início dos sintomas), ou por isolamento/detecção do vírus na primeira semana de doença. Não existe tratamento estabelecido para a infecção. Habitualmente, recomenda-se hidratação, repouso, e medicações sintomáticas, principalmente quando existem dores articulares.
Apesar de baixa letalidade, a infecção por Chikungunya pode ocasionar lesões articulares muito dolorosas, com elevado grau de incapacitação dos pacientes acometidos. A artrite secundária à Chikungunya pode persistir por meses, e até mesmo anos.
Os fatores de risco para a cronificação dos problemas articulares incluem:
• Sintomas mais intensos na fase aguda (febre alta, calafrios, rash severo, dores intensas)
• Idade maior que 45 anos (50 vezes maior risco de morte)
• Carga viral elevada
• Títulos elevados de anticorpos para Chikungunya
• A provável causa da cronificação é a replicação viral persistente em articulações
Não há vacina contra a infecção, e a prevenção deve ser feita evitando-se picadas de mosquitos (cobertura das áreas corporais expostas a picada do mosquito, e/ou uso de repelentes). Os mosquitos vetores podem ser identificados por faixas brancas sobre os seus corpos e pernas negras. Eles são mordedores agressivos, diurnos, com pico de atividade de alimentação ao amanhecer e ao entardecer.
É de extrema importância no combate à disseminação da doença a eliminação de criadouros potenciais para o mosquito transmissor. Recipientes contendo água parada, lixo e detritos em geral devem ser removidos das proximidades das residências, reduzindo o risco de proliferação dos mosquitos transmissores desta virose.
A Academia Nacional de Medicina alerta que a possibilidade da febre Chikungunya se tornar epidêmica em nosso país é muito grande. O Ministério da Saúde informou a ocorrência de 211 casos até outubro, entretanto, apenas em Feira de Santana na Bahia, já foram diagnosticados 1.245 casos.
Além disso, a doença não pode ser considerada “uma Dengue leve” como se falava no início, pois pode ser grave e é extremamente incapacitante, podendo evoluir para dores articulares crônicas, o que a torna um problema de saúde pública da maior relevância.