ASSINE
search button

Pesquisa investiga as estrelas mais velhas da Galáxia

Compartilhar

De acordo com a maioria dos modelos, e também de evidências proporcionadas por observações recentes, o bojo é a primeira estrutura a se formar nas galáxias espirais. Portanto é, no mínimo, tão velho quanto o halo que o envolve. Assim, o bojo da Via Láctea conteria as estrelas mais antigas de nossa galáxia, com idade superior a 13 bilhões de anos.

Essas estrelas velhas – consideradas de segunda geração, pois as da primeira geração teriam desaparecido há muito tempo, explodindo e enriquecendo o meio com elementos químicos sintetizados em seus interiores – seriam testemunhas da infância do universo. Daí o grande interesse em estudá-las.

Este é um dos objetivos do projeto temático “Evolução química e populações estelares galácticas e extragalácticas, por espectroscopia e imageamento”, coordenado por Beatriz Barbuy, professora titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). Iniciado em 2011 e com término previsto para este ano, o projeto tem o apoio da FAPESP.

“Acredita-se que a primeira geração de estrelas tenha sido constituída por corpos massivos, que rapidamente explodiram, povoando o meio com elementos químicos processados em seu interior. As estrelas formadas logo a seguir, já de massas normais, teriam incorporado os elementos químicos produzidos pela primeira geração. Essas populações estelares de segunda geração, pobres em metais, são nossos principais objetos de estudo”, disse Barbuy à Agência FAPESP.

O fato de o bojo ser supostamente a estrutura mais antiga da galáxia faz com que a busca das estrelas velhas se concentre de preferência nessa região. Mas objetos de segunda geração também são procurados no halo, onde se verifica a presença de estrelas muito pobres em metais. Silvia Cristina Fernandes Rossi, do IAG-USP, que também integra o Projeto Temático, tem estudado sistematicamente essas estrelas do halo.

Como regra geral, a metalicidade poderia ser considerada um marcador da longevidade da estrela. Pois o fato de a estrela ser rica em metais indica que ela incorporou materiais sintetizados por estrelas de gerações anteriores.

“Mas esse raciocínio não pode ser aplicado de forma mecânica, porque, devido à alta concentração de estrelas no bojo galáctico, o enriquecimento em elementos químicos nessa região é muito mais rápido do que no halo”, ponderou Barbuy.

De fato, o bojo da Via Láctea é extremamente denso. Essa região de formato esferoidal, com apenas 10 mil anos-luz de raio, concentra cerca de 10¹° massas solares, enquanto que a massa total da Via Láctea, estimada em 5,8×10¹¹ massas solares, distribui-se em um enorme disco com diâmetro da ordem de 100 mil anos-luz.

“As estrelas formam-se 10 vezes mais rapidamente no bojo do que nas vizinhanças do Sol. Por isso, o meio se enriquece muito rapidamente, e há poucas estrelas pobres em metais na região”, disse Barbuy.

“Em parceria com Cristina Chiappini, atualmente sediada no Leibniz-Institut für Astrophysik Potsdam, na Alemanha, e outros pesquisadores, estamos desenvolvendo um modelo de evolução química mostrando que o enriquecimento rápido levou a uma população de bojo muito velha com metalicidade alta. As estrelas dessa população podem ser as mais antigas da Galáxia”, disse.

“Em 2011, publicamos um artigo na Nature sustentando a hipótese de que essas estrelas velhas foram enriquecidas por estrelas massivas de alta rotação, que chamamos de ‘spinstars’. E, recentemente, com Cesar Henrique Siqueira Mello Junior, obtivemos a confirmação dessa hipótese”, contou Barbuy.

Hipernovas

Com idade da ordem de 13,7 bilhões de anos, as “spinstars” teriam se formado pouco tempo depois do Big Bang. Concentrariam massas oito ou mais vezes maiores do que a massa solar e girariam em torno de seus próprios eixos com velocidade superficial de 1,8 milhão de quilômetros por hora.

Para efeito de comparação, a velocidade superficial de rotação dessas estrelas massivas ultrarrápidas seria 250 vezes maior do que a do Sol, de 7,2 mil quilômetros por hora.

Acredita-se que tenham sobrevivido por apenas 30 milhões de anos – o que constitui um intervalo extremamente breve na escala do tempo estelar. Ao explodirem, no final de seu ciclo de existência, ejetaram materiais pesados no meio, aumentando sua metalicidade.

“Outra evidência que obtivemos – Amâncio Friaça, Carlos Roberto da Silveira e eu – foi que o enriquecimento das estrelas do bojo pode ter-se processado por meio de hipernovas. Essas estrelas, cuja explosão é 10 vezes mais energética do que a das supernovas comuns, foram definidas pelo pesquisador japonês Kenichi Nomoto. Segundo Nomoto e colaboradores, a altíssima energia de explosão das hipernovas decorreria do fato de essas estrelas possuírem previamente um buraco nego com alta rotação no centro”, disse Barbuy.

Pode ser que os termos “spinstars” e “hipernovas” sejam apenas nomes diferentes para o mesmo objeto. Mas isso ainda não está provado. Friaça, Silveira e Barbuy utilizaram o modelo de Nomoto para explicar a razão entre os conteúdos de zinco e ferro de 56 estrelas do bojo galáctico. O artigo a respeito foi submetido para publicação na revista Astronomy & Astrophysics.