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Science: 'Má sorte' pode ser principal causadora da maioria dos tipos de câncer

Análise sugere que a maioria dos casos não pode ser prevenida

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“Por quê? Essa são as primeiras palavras que saem de várias bocas depois de um diagnóstico de câncer. “É uma pergunta perfeitamente razoável,” diz Bert Vogelstein, um geneticista do câncer na Universidade Johns Hopkins em Baltimore, Maryland, que passou uma vida inteira tentando respondê-la. Graças á sua amizade com um Ph.D em matemática aplicada, os dois agora propõem um enquadramento argumentando que a maioria dos casos de câncer são o resultado de azar biológico”. É o que diz um artigo da Science na primeira edição de janeiro.

Em um informe publicado na renomada revista científica americana, Vogelstein e Cristian Tomasetti que se juntou ao departamento de bioestatística da Hopkins em 2013, apresentaram uma fórmula matemática para explicar a gênesis do câncer. “É assim que funciona: pegue o número de células em um órgão, identifique qual percentagem deles são células-tronco de vida longa e determine quantas vezes as células-tronco se dividem. Com cada divisão, há um risco de uma mutação causadora de câncer em uma célula-filha. Assim, Tomasetti e Vogelstein concluíram que os tecidos que abrigam o maior número de divisões de células-tronco são aqueles mais vulneráveis ao câncer. Quando Tomasetti analisou os números e os comparou a efetivas estatísticas de câncer, ele concluiu que essa teoria explicava dois terços de todos os cânceres”, escreve a autora do artigo, Jennifer Couzin-Frankel.

“Usando a matemática da evolução, você realmente pode desenvolver um entendimento da doença como na engenharia,” diz Martin Nowak, que estuda matemática e biologia na Universidade de Harvard e trabalhou com Tomasetti e Vogelstein. “Ser um animal com células que precisam ser divididas representa um risco básico.”

A ideia surgiu durante uma das seções semanais de brainstorm da dupla no escritório de Vogelstein. Eles voltaram a uma questão antiga: quanto do câncer é conduzido por fatores ambientais, e quanto pela genética? Para resolver isso, Tomasetti conclui, “Eu primeiro preciso entender quanto acontece por acaso e retirar essa quantidade do enquadramento”.

Quando fala em “acaso” Tomasetti quer dizer a rolagem de dados que cada divisão de células representa, deixando de lado a influência de genes deletérios ou fatores ambientais como fumar ou se expor à radiação. Ele estava mais interessado nas células-tronco porque elas resistem – o que significa que uma mutação na célula-tronco deve causar mais problemas do que uma mutação em uma célula que morre mais rápido.

Tomasetti pesquisou a literatura para encontrar os números dos quais precisava, como o tamanho do “compartimento” da célula tronco em cada tecido. Mapeando o número total de divisões de células tronco ao longo de uma vida frente ao risco de câncer em 31 órgãos diferentes ao longo da vida revelaram uma correlação. Na medida em que o número de divisões subiu, o risco também aumentou.

O câncer de cólon, por exemplo, é muito mais comum do que o câncer do duodeno, o primeiro trecho do intestino delgado. Isso é verdade até nos portadores de um gene alterado que coloca todo seu intestino em risco. Tomasetti descobriu que existem cerca de 10¹²  divisões de células tronco no cólon ao longo da vida, comparados aos 10¹° no intestino delgado. Ratos, em contrapartida, têm mais divisões de células-tronco em seus intestinos delgados – e mais cânceres – do que no cólon.

A linha entre mutações e câncer não é necessariamente direta. “Pode não se dar só nos casos onde ocorre uma mutação,” diz Bruce Ponder, um veterano pesquisador do câncer na Universidade de Cambridge no Reino Unido. “Pode haver outros fatores no tecido que determinam se a mutação é retida” e se ela desencadeia uma malignidade.

Assim sendo, a teoria permanece “uma ideia extremamente atrativa”, diz Hans Clevers, um biólogo na área de células-tronco e câncer no Instituto Hubrecht em Utrecht, na Holanda. Ainda assim, salienta ele, o resultado “depende totalmente de quão bons são os dados de entrada.”

Tomasetti estava ciente de que alguns dos dados publicados podem não estar corretos. Em 10.000 execuções do modelo, ele enviesou onde vários pontos no gráfico foram traçados. Sempre, “o resultado ainda era significante,” diz ele, sugerindo que o quadro completo se sustenta até mesmo se alguns pontos de dados não o fazem. No jargão da matemática, o gráfico mostrou uma correlação de 0,81. (uma correlação de 1 significa que ao conhecer as variáveis no eixo x – nesse caso, o número de divisões de células tronco durante uma vida – se pode prever o valor do eixo y na maior parte do tempo) Adaptando 0.81 a 0.65 – um indicador de quanto da variação no risco de câncer em um tecido é explicado pela variação nas divisões de células tronco.

Para Vogelstein, uma mensagem mais importante é de que com frequência o câncer não pode ser prevenido, e mais recursos deveriam ser direcionados na detecção assim que ele surge. “Esses cânceres vão continuar voltando”, diz ele.

Douglas Lowy, um diretor-adjunto do Instituto Nacional do Câncer em Bethesda, Maryland, concorda, mas também enfatiza que grande parte do “câncer é preventivo” e esforços para evitar a doença devem continuar.

Apesar da aleatoriedade do câncer ser assustadora, os profissionais da área enxergam um lado positivo também. O novo enquadramento salienta que “o paciente médio de câncer… é apenas azarado,” diz Clevers. “Isso ajuda os pacientes de câncer a saberem” que a doença não é culpa deles.