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Plano busca viabilizar uso de biocombustíveis na aviação

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O Brasil pode ter um papel relevante na indústria mundial de biocombustíveis para aviação. Um relatório elaborado pela Boeing, pela Embraer e pela FAPESP, coordenado pela Unicamp, identificou lacunas e apontou os caminhos que o país deve percorrer para ocupar posição de destaque nesse mercado: mais pesquisa nas áreas de matérias-primas e de produção de biocombustíveis, logística de distribuição, adequação da legislação, entre outras. O relatório foi divulgado pelos três parceiros nesta segunda-feira (10), em evento realizado na FAPESP.

O “Plano de voo para biocombustíveis de aviação no Brasil: plano de ação” balizará projetos de pesquisa apoiados pela FAPESP e pelas duas empresas de aviação no âmbito de um acordo de cooperação mantido pelas instituições, com o objetivo de estimular a pesquisa e o desenvolvimento de biocombustíveis para aviação no Brasil. O estudo integra o Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), que reúne mais de 400 cientistas brasileiros, a maioria atuante em universidades e instituições de pesquisa no Estado de São Paulo, além de cerca de cem pesquisadores de diversos outros países.

O documento é resultado de uma série de oito workshops realizados entre maio e dezembro de 2012, em São Paulo, Belo Horizonte, Piracicaba, Campinas, São José dos Campos, Rio de Janeiro e Brasília, envolvendo o setor aéreo, universidades e institutos de pesquisa, entre outros participantes.

O grande desafio científico e tecnológico hoje, em todo o mundo, de acordo com os pesquisadores, é desenvolver um biocombustível a partir de qualquer biomassa produzida em escala comercial, que tenha um custo competitivo e possa ser misturado ao querosene de aviação convencional, sem a necessidade de modificações nos motores e nas turbinas da atual frota de aeronaves e no sistema de distribuição do combustível aeronáutico.

Uma das principais conclusões do relatório é de que no Brasil há uma série de matérias-primas provenientes de plantas que contêm açúcares, amido e óleo, além de resíduos como lignocelulose, lixo urbano e gases de exaustão industrial, que se mostram promissores para a produção de bioquerosene.

A cana-de-açúcar, a soja e o eucalipto são apontados como os três melhores candidatos para iniciar uma indústria de biocombustível para aviação no país. Isso, no entanto, dependerá do processo de conversão e refino escolhido, ressalvaram os autores.

“Existe uma grande quantidade de fontes possíveis de matérias-primas no Brasil interessantes para a produção de biocombustível para aviação, como a cana-de-açúcar, a soja e o eucalipto”, disse Mauro Kern, vice-presidente executivo de engenharia e tecnologia da Embraer, durante entrevista coletiva para apresentação das conclusões do estudo. “Mas também há outras matérias-primas, como camelina, pinhão-manso, algas e resíduos, que podem se tornar opções viáveis.”

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), por exemplo, realiza pesquisas para domesticação do pinhão-manso e começou a estudar o babaçu, cujo óleo é composto por ácidos com cadeias de carbono consideradas ideais para o desenvolvimento de biocombustível para aviação.

A viabilização do pinhão-manso e de outras plantas, como a camelina e o sorgo sacarino, como fontes para a produção de biocombustíveis para a aviação, requer esforços adicionais em pesquisa e desenvolvimento para aumentar o rendimento e reduzir os custos de produção, de acordo com os pesquisadores que participaram do estudo.

“O custo da matéria matéria-prima é um fator muito importante para a competitividade do biocombustível. No caso do etanol, a cana-de-açúcar representa 70% do custo de produção. Já no caso do biodiesel, a matéria-prima representa entre 80% e 90%", disse Luiz Augusto Barbosa Cortez, professor da Unicamp, um dos coordenadores do estudo.

“Baixa produtividade na produção da matéria-prima compromete a fabricação de biocombustível”, disse Cortez, que também é membro da Coordenação Adjunta de Programas Especiais da FAPESP.

Segundo Celso Lafer, presidente da FAPESP, o projeto é um passo importante para o desenvolvimento de pesquisas conjuntas entre empresas e universidades. “A FAPESP tem participado ativamente para a criação de uma relação profícua entre universidades, institutos de pesquisa e empresas, apoiando a parceria e a inovação por meio de diversos programas, e a pesquisa para o desenvolvimento dos biocombustíveis de aviação no Brasil certamente será um marco nessa relação.”

“Esse estudo demonstra a possibilidade de fazermos projetos cooperativos entre universidades e empresas e aprender, descobrir coisas que são interessantes para os dois lados”, afirmou Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.

Tecnologias de conversão e refino

No relatório, os pesquisadores também analisaram diversas tecnologias de conversão e refino, como gaseificação, pirólise rápida, liquefação por solvente, hidrólise enzimática de biomassa celulósica e lignocelulósica, oligomerização de álcool para combustível de aviação, hidroprocessamento de ésteres e ácidos graxos, bem como a fermentação de açúcares e dejetos (lixo urbano, gases de combustão, resíduos industriais) em álcoois, hidrocarbonetos e lipídios.

Todas essas tecnologias têm potencial e, no Brasil, diversas têm sido testadas para produzir biocombustíveis usados em voos de demonstração no país e também no exterior, ressaltaram os autores.

Combinadas às matérias-primas, essas tecnologias formam uma matriz de 13 possíveis rotas tecnológicas (pathways) indicadas no relatório como alternativas viáveis à produção de biocombustível de aviação no médio prazo.

“Essa combinação de variedades de matérias-primas com a diversidade de processos que podem ser adotados abrem oportunidades espetaculares”, disse Kern.

De acordo com o executivo, a maioria das iniciativas para desenvolver biocombustíveis para aviação no Brasil e em outros países ainda está em estágio laboratorial – de desenvolvimento da tecnologia.

Embora várias tenham recebido aprovação de certificação técnica da American Society for Testing and Materials – entidade norte-americana certificadora de testes e materiais –, nenhuma delas pode ser considerada comercial.

“Além de dificuldades técnicas, precisam ser enfrentadas questões de viabilidade econômica e demonstrados os benefícios ambientais, como a redução das emissões de gases de efeito estufa. É preciso mais pesquisa, desenvolvimento e distribuição para estabelecer tecnologias comerciais de refino de biocombustíveis e distribuição para a aviação”, lê-se no relatório.

Desafios da aviação

O setor de aviação, que contribui com 2% das emissões totais de gases de efeito estufa no planeta, enfrenta o desafio de reduzir pela metade a emissão de dióxido de carbono em 2050, em comparação com os níveis de 2005, conforme estabeleceu a Associação de Transporte Aéreo Internacional (Iata, na sigla em inglês).

Para reduzir o consumo de combustíveis e as emissões de gases de efeito estufa, os fabricantes de aviões buscam aumentar nos últimos anos a eficiência operacional de suas aeronaves com o desenvolvimento de motores mais modernos e eficientes e de otimizações aerodinâmicas, usando estruturas e ligas metálicas mais leves no projeto dos jatos. Entretanto, com a forte expansão do transporte aéreo e o aumento da frota de aviões em circulação no mundo, essas medidas têm sido insuficientes.

De acordo com dados do relatório, em 2010, o setor brasileiro de aviação, que cresce mais rapidamente do que a média global, transportou cerca de 71 milhões de passageiros e 870 mil toneladas de carga aérea dentro e fora do país. As projeções indicam que o Brasil será o quarto maior mercado de tráfego aéreo doméstico do mundo até 2014.

“O setor aeronáutico estabeleceu metas ambiciosas de redução de emissões de CO2 e há várias maneiras de tentarmos atingi-las”, disse Donna Hrinak, presidente da Boeing Brasil. “Uma delas é produzir aeronaves mais eficientes, que utilizem menos combustíveis e emitam menos poluentes. Para isso, temos de pensar em combustíveis alternativos.”

Até agora, as experiências no Brasil para o desenvolvimento de biocombustíveis, incluindo para fins automotivo e para aviação agrícola, estiveram associadas à adaptação do motor ao combustível.

“Ao contrário do que ocorreu no Proálcool, em que os motores dos carros que circulavam no Brasil tiveram de ser adaptados para um novo combustível, no caso dos biocombustíveis para aviação a ideia é que sejam absolutamente compatíveis com o combustível atual, de forma a não ocasionar nenhuma modificação nos aviões ou na infraestrutura de distribuição”, comparou Kern.

Na opinião de Luiz Augusto Horta Nogueira, professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) e um dos coordenadores do estudo, os biocombustíveis para aviação surgem em uma condição muito diferente dos voltados para o mercado automotivo. “Existe uma demanda global para os biocombustíveis para aviação que já está colocada, o que fará com que o programa tenha consistência e continuidade. Isso não houve no caso dos outros biocombustíveis”, comparou.


Agência Fapesp